sexta-feira, 22 de setembro de 2017

A SANTINHA ME PERDOA?


O Círio vem chegando, meu pai cantava “vejo caras, vejo gente, gente que nem sei quem é”, o trânsito infernal e mexendo nas gavetas encontrei esta crônica, de humor, a respeito. Espero que as novas “patrulhas religiosas” compreendam que mais do que tudo, Nossa Senhora de Nazare transformou-se em um ícone pop, a nossa “Nazica”, o que não diminui, até aumenta, nosso amor por ela.

“Padre Gerson, foi tudo um mal entendido, eu garanto! O senhor sabe como eu e a minha esposa somos devotos de Nossa Senhora. Fazemos todas as novenas. Colaboramos. Estamos em todos os grupos de oração e ajuda às obras de caridade. Padre Gerson, releve, por favor. O senhor precisa me ouvir. Eu não sabia de nada, entende? Não sabia. Estava fora da cidade havia uma semana, trabalhando. O senhor sabe que eu viajo muito para o interior, a serviço da empresa, não é? Pois então. A Dora marcou a visita da Santa lá em casa, mas esqueceu de me avisar. Eu lhe juro pelo que há de mais sagrado, Padre Gerson. Para piorar, ela teve um problema, lá na repartição, e se atrasou. Alguns poucos minutos, mas que foram decisivos. Pois então, deixe-me voltar ao que estava relatando. Eu chego do interior, sabe como estão as nossas estradas, cheias de poeira, buraco, o senhor sabe, o senhor sabe, o carro fica imundo. Padre Gerson, eu sou um homem de poucas alegrias na vida. Trabalho muito. Mas quando o carro fica bem imundo de lama, Padre Gerson, eu me divirto, sabe como? Sabe como? Boto um daqueles calções velhos, bem largos, bem confortáveis, mando comprar uma grade de cerveja, pego aqueles cds de Reginaldo Rossi, Renato e seus Blue Caps, Wando, e ponho bem alto, viu? Bem alto, Padre Gerson. E vou lavando, vou bebendo, vou ouvindo, vou me animando. É a minha alegria. Pois eu cheguei de viagem, com o carro sujo e achei que era dia de me divertir, Padre Gerson. Relaxar. E eu já estava quase terminando, sabe? Quase terminando, e aí eu vejo aquela procissão chegando, chegando, chegando.. Carregava a imagem da Santa, sabe? Vinham todos cantando, com velas acesas. Aí eu não sabia bem o que fazer. Eu achava que era para alguma outra casa da rua. Mas a procissão vinha chegando, chegando e foi me dando uma coisa, sabe? Aí parou na porta de casa. Reginaldo Rossi bem alto. Eu, ali, só de calção velho, com uma garrafa na mão, cantando, também. Mas aí, corri e desliguei tudo. Peguei uma camisa qualquer, e felizmente, a Dora vinha chegando, também. Não houve tempo para explicações. Levaram a Santa para aquele canto no qual ela sempre fica, lá em casa, o senhor sabe. Aquele calor das velas. Todo mundo cantando. A Dora me pedia para não cantar. Acho que eu estava cantando muito alto, desafinando, sei lá. E então me passaram o livrinho e entendi que era para rezar o Pai Nosso. No meio da oração, a Dora me tirou o livro. Acho que ela não estava gostando. Parece que eu estava adaptando a letra, digo, a oração, por outras palavras. E fazia comentários. Pois é, Padre Gerson. Ainda ficou pior. A Dora disse que eu enxotei as pessoas para a rua, depois da cerimônia. E que eu corri para o carro, liguei o som novamente e bebi mais algumas garrafas de cerveja. Ela fechou toda a casa, para a Santa não ouvir aquilo. Padre Gerson, foi tudo uma coincidência. Um mal entendido. Será que a Santinha me perdoa?

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