Há motoristas de táxi, e me vem
uma baba sagrada, por sabê-los interessados em qualquer nesga por onde possam
levar vantagem. Há garotos em carros fantásticos, enormes, ansiosos para
demonstrar sua ousadia e competência, em driblar os bobalhões, ali, na fila. Há
estúpidos, sempre aborrecidos, que cometem o ato, meramente por grosseria. E
mulheres com falso ar ingênuo, tentando levar vantagem. Eu gosto. Antevejo.
Percebo sua chegada discreta, atabalhoada, dissimulada, agressiva. Vejo nisso,
um quadro da nossa sociedade. Toda a má educação, a falta de cultura e civismo
que nos assola, não interessa a marca e o ano do carro. Eles se aproximam,
certos que no momento preciso, me cortarão a frente e ganharão os tais metros,
saindo felizes, sorriso no rosto, pensando “mais um idiota para trás”. Só de
pensar, me dá um arrepio. Eles vêm, com a certeza da impunidade. Não tem a ver
com superioridade econômica, luta de classes, sei lá. É preciso boa noção de
espaço, domínio do carro e do tempo. Sangue frio. Dissimulação. Estamos lado a
lado. Com um discreto olhar, de relance, percebo sua intenção, a respiração do
carro, com seu pé no acelerador, a posição em diagonal para realizar a manobra.
Percebo sua intenção. Permaneço estático, como um leso, mais um leso a ser
enganado, vencido. Fico ali, inerte. É preciso manter mínima distância do carro
à frente, mesmo que seja uma subida. É agora. Uma pequena aceleração e o bico
do meu automóvel toma a frente, para susto do oponente. Ué, o que aconteceu? Pior,
a partir daquela esquina, a Tiradentes fica mais estreita, exatamente para a
esquerda, de onde vêm os obedientes “idiotas”. Assim, com o bico do carro à
frente, resta ao então confiante e panaca do outro carro, a calçada, a não ser
que freie, repentinamente, inesperadamente, um corte nas suas certezas, e
aguarde a próxima nesga, para, ainda assim, fazer valer sua manobra irregular.
Depois, é só olhar pelo
retrovisor suas pragas, reclamações, como garotos apanhados em travessura.
Alguns vêm atrás, ligam farol alto, querem vingar-se, mas a rua é estreita, não
permitindo ultrapassagem e alguns metros adiante, a maioria cai em si e percebe
que estava errada, deixando para lá. Já vi outros “colegas” fazendo a mesma
coisa. Que bom não estar sozinho nesta guerra. Alivia o peito. Amansa o tal
“espírito punitivo”. Mas antes de tudo, é um pedido a cada um, para que
retornemos à civilização e suas leis. No mais simples ato, como esse, na
esquina da Tiradentes com a Quintino, está resumido todo o nosso problema. O
mundo se divide ali. De que lado você está?
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