sexta-feira, 7 de junho de 2019
JUNHO
Minha
mãe adorava o mês de junho, principalmente por ser o mês de seu aniversário.
Ainda bem crianças, comprava aqueles ramos para fazer coroinhas de São João, que
hoje ninguém mais usa. Também banho de cheiro, cheiroso como nunca. Havia uma
casa no Lago Azul, antes de transformar-se nessa Shangrila dos mais ricos. A
casa foi uma das primeiras do loteamento e há até uma rua com o nome de meu
avô. No aniversário, mamãe passava o dia para lá, arrumando tudo. Quando
chegávamos, após as aulas, já livres de compromisso, a música era forró.
Bandeirinhas atravessavam o quintal e lá adiante, a fogueira que tanto me
hipnotizava. Quando já estava nos estertores, passávamos correndo, pulando,
naquela brincadeira de virar compadres. E claro, o banho cheiroso. Nunca fomos
muito chegados a soltar fogos. Meu pai não gostava. Logo mais volto ao assunto.
Ainda não havia luz elétrica para aquelas bandas. A casa tinha um motor que,
como sempre ocorre, dava problemas justamente quando era muito necessário. Uma
equipe de técnicos da Rádio Clube, cuidava. Wilson Assunção, o “Mucuim”,
comandando as ações. As crianças brincavam correndo pelo quintal, menos uma.
Aquela “junta técnica” debruçada sobre o motor me atraía. Olhava maravilhado as
ferramentas apertando, aparafusando, trocando peças, até que, finalmente, o
motor começou a funcionar, com algumas tosses. Mucuim apressa-se a corrigir a
velocidade da máquina, regulando seu ritmo. Era demais. Como ele fazia aquilo?
Debrucei-me e para ter melhor equilíbrio, amparei-me em algo que, percebi aos
berros, era a chaminé do motor, que estava bem quente. Foi aquela correria. Um
sugere manteiga, outro apenas água, pasta de dentes. Eu urrava. Foi meu batismo
junino. Minha curiosidade sendo punida. Bem, talvez até hoje. Como escrevi
antes, meu pai não gostava de fogos. Considerava-os perigosos. Também acho. No
colégio, colegas mais desinibidos já operavam bombas de diversos tamanhos,
inclusive “cabeça de nêgo”, que explodiam, sorrateiramente, no banheiro, após o
início das aulas, causando barulhão, investigações e cpis que não davam em
nada. Meu tio José Leal, gostava de foguetes. Compatível com seu gênio bem
humorado, cervejeiro fanático. Ele apresentou a nós algumas dessas pistolas que
no ar, transformam-se em chuva de pétalas de rosas e outros desenhos,
assobiando ao subir ao céu. Temerosos, ficamos na dúvida, inclusive meu primo,
Antonio José. Debochando de nossa coragem, ele prepara-se para acender o pavio.
Meu pai vê e resolve intervir. Disse que era perigoso, que havia muitas
crianças, essas coisas. Aos nossos protestos, decidiu chamar o caseiro. Seu
Antonio era pessoa simples, caboco da terra, participando daqueles primeiros
dias do loteamento. Soltar um foguete daqueles era brincadeira de criança.
Recebeu instruções. Fizemos um círculo, com alguns metros de distância. Acendeu
o pavio. Foi rápido. Por um defeito qualquer, a pistola em vez de disparar para
o alto, tomou a direção do chão, enchendo o ambiente de fumaça e estrondo.
Assustados, não víamos mais Seu Antonio, que até então estava no meio do
círculo. Atento, meu pai corre até ele, que permanece rígido, de pé, o braço
ainda erguido com o resto da pistola nas mãos. O senhor está bem? Não foi
ferido? Ele abre os olhos, encara a todos e declara “Estou sordo”! Felizmente
não houve nada, meu pai pegou o violão e começou a seresta sem hora para
terminar. Como minha mãe gostava do mês de junho!
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