Nasceu
Tomázia e virou Zazá. Infelizmente, quando veio o diagnóstico de nanismo, sua
mãe a rejeitou e o pai a deu para uma mulher que ia passando. Esta, não tinha
filhos e a adotou. Na medida da necessidade, cresceu e entendeu a profissão da
mãe: prostituta. Virou amiga das amigas, mas não tinha amigas de sua idade. As
pessoas tinham medo. Ignorancia. Achavam que anã dava azar, feitiço. As colegas
da mãe, incluindo as bichas a criaram. Prostituta, também, lidava com os mesmos
medos no rosto dos homens. Mas para outros, era um prato raro e bem pago. Vai
entender esses idiotas. Todas faziam ponto na Riachuelo mas iam mesmo era na
Paraíso Perdido, uma boate na Manoel Barata que abria pouco depois das seis da
tarde e pegava os comerciários que precisavam de alguma alegria, cerveja e sexo
para disfarçar a vida de merda que levavam. Quando finalmente Zazá chegou à
Paraíso Perdido, aquele mundo de luzes, música alta, homens e mulheres dançando
e se esfregando, aquele olor de sexo a conquistou. Foi como uma rainha chegando
enfim ao seu reino. É claro que chamou a atenção de todos. Não deu bola. Fez
seu número, rebolou, jogou cabelão, fez olhar especulativo. Não era sempre que
alguém se aproximava. A velha burrice sobre anões. Não a abalava. Quando
começava a se sentir tristonha com alguma graça sem graça de algum bêbado,
ligava o ouvido da música, discotheque e chutava pra longe a tristeza. O dono
era um chinês, chamado Liu. Só isso. Liu. Sabe como é chinês, né? Misterioso.
Três homens grandes e maus faziam a segurança. Marinheiro bêbado quer agredir
puta no fim da noite. Comerciário com ciúme de puta, enfim. Todos para fora.
Foi chegando próximo dele. Conversa besta. Poucas frases. Uma noite, fim da
noite, Liu perguntou se ela podia ficar um pouco mais. Até terminar as contas.
Que foi, china. Desembucha. Liu não tem ninguém. Liu sozinho. Quer ficar hoje
com Liu. Quarto lá em cima. Ninguém quer Liu. Tu queres? Zazá viu nos olhos do
china, também, a sua solidão. Subiu.
O
que o pessoal do Bronco viu é que eu passei várias vezes pela frente da Paraíso
Perdido, até entrar, acompanhado do Pedro, claro. Eu queria saber toda a
história da Zazá e o que tinha sido feito dela. Há muitos personagens na
Campina. Foi um dos primeiros bairros de Belém. Estava lendo um livro
emprestado pelo Lucio Flavio, com a história do Eduardo Angelim, grande figura
da Cabanagem e lá está a Campina, sendo cenário de combates e território a ser
conquistado pelos cabanos atacando a cidade. Os Boêmios da Campina,
inesquecíveis. A Zona de Prostituição, sobre a qual escrevi “Laquê”, primeiro
espetáculo do Grupo Cuíra em seu Teatro, com a presença de prostitutas em
metade do elenco. Sim, houve ganhos sociais. Ao menos três das cinco ou sete
mulheres, deixaram a profissão. Lembrei disso ao ver hoje, a Verona (nome
fictício), mulher grande, bem, podemos chamar de gorda sem insulta-la. Farta
daquela eterna espera, de ser o recipiente para desejos, mágoas, ódios e o que
mais seus eventuais parceiros tinham a entregar, com suas agruras, decepções e
sabe la mais o quê, agora tem um carrinho onde vende bombons, chicletes e
cigarros a retalho, estacionada diariamente em frente a uma parada de ônibus,
na Presidente Vargas. Tem um olhar tristonho, a Verona, talvez cansada de tudo,
a dificuldade em locomover-se, pelo peso, falta de uma vida, digamos, adequada.
Mas quem não anda meio chateado com tudo, neste nosso Brasil, neste nosso Pará,
nesta Belém de hoje?
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