sexta-feira, 21 de setembro de 2018

ZAZÁ

Nasceu Tomázia e virou Zazá. Infelizmente, quando veio o diagnóstico de nanismo, sua mãe a rejeitou e o pai a deu para uma mulher que ia passando. Esta, não tinha filhos e a adotou. Na medida da necessidade, cresceu e entendeu a profissão da mãe: prostituta. Virou amiga das amigas, mas não tinha amigas de sua idade. As pessoas tinham medo. Ignorancia. Achavam que anã dava azar, feitiço. As colegas da mãe, incluindo as bichas a criaram. Prostituta, também, lidava com os mesmos medos no rosto dos homens. Mas para outros, era um prato raro e bem pago. Vai entender esses idiotas. Todas faziam ponto na Riachuelo mas iam mesmo era na Paraíso Perdido, uma boate na Manoel Barata que abria pouco depois das seis da tarde e pegava os comerciários que precisavam de alguma alegria, cerveja e sexo para disfarçar a vida de merda que levavam. Quando finalmente Zazá chegou à Paraíso Perdido, aquele mundo de luzes, música alta, homens e mulheres dançando e se esfregando, aquele olor de sexo a conquistou. Foi como uma rainha chegando enfim ao seu reino. É claro que chamou a atenção de todos. Não deu bola. Fez seu número, rebolou, jogou cabelão, fez olhar especulativo. Não era sempre que alguém se aproximava. A velha burrice sobre anões. Não a abalava. Quando começava a se sentir tristonha com alguma graça sem graça de algum bêbado, ligava o ouvido da música, discotheque e chutava pra longe a tristeza. O dono era um chinês, chamado Liu. Só isso. Liu. Sabe como é chinês, né? Misterioso. Três homens grandes e maus faziam a segurança. Marinheiro bêbado quer agredir puta no fim da noite. Comerciário com ciúme de puta, enfim. Todos para fora. Foi chegando próximo dele. Conversa besta. Poucas frases. Uma noite, fim da noite, Liu perguntou se ela podia ficar um pouco mais. Até terminar as contas. Que foi, china. Desembucha. Liu não tem ninguém. Liu sozinho. Quer ficar hoje com Liu. Quarto lá em cima. Ninguém quer Liu. Tu queres? Zazá viu nos olhos do china, também, a sua solidão. Subiu.
O que o pessoal do Bronco viu é que eu passei várias vezes pela frente da Paraíso Perdido, até entrar, acompanhado do Pedro, claro. Eu queria saber toda a história da Zazá e o que tinha sido feito dela. Há muitos personagens na Campina. Foi um dos primeiros bairros de Belém. Estava lendo um livro emprestado pelo Lucio Flavio, com a história do Eduardo Angelim, grande figura da Cabanagem e lá está a Campina, sendo cenário de combates e território a ser conquistado pelos cabanos atacando a cidade. Os Boêmios da Campina, inesquecíveis. A Zona de Prostituição, sobre a qual escrevi “Laquê”, primeiro espetáculo do Grupo Cuíra em seu Teatro, com a presença de prostitutas em metade do elenco. Sim, houve ganhos sociais. Ao menos três das cinco ou sete mulheres, deixaram a profissão. Lembrei disso ao ver hoje, a Verona (nome fictício), mulher grande, bem, podemos chamar de gorda sem insulta-la. Farta daquela eterna espera, de ser o recipiente para desejos, mágoas, ódios e o que mais seus eventuais parceiros tinham a entregar, com suas agruras, decepções e sabe la mais o quê, agora tem um carrinho onde vende bombons, chicletes e cigarros a retalho, estacionada diariamente em frente a uma parada de ônibus, na Presidente Vargas. Tem um olhar tristonho, a Verona, talvez cansada de tudo, a dificuldade em locomover-se, pelo peso, falta de uma vida, digamos, adequada. Mas quem não anda meio chateado com tudo, neste nosso Brasil, neste nosso Pará, nesta Belém de hoje?

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