sexta-feira, 23 de março de 2018

VAMOS DISCUTIR A RELAÇÃO?

Os dois times estavam em campo e o juiz preparava-se para iniciar a partida. Freitas jantara, tomara seu banho rapidamente e estava em sua poltrona preferida, diante da televisão, ansioso pelo jogo, decisivo. Foi quando Mara, sua esposa, chegou e ele pressentiu o perigo. Ela sentou sobre o braço da cadeira, passou a mão sobre seus cabelos e perguntou, com aquela melodia especial, como havia sido o seu dia.
-       Bom
-       Bom como?
-       Bom. Só isso.
-       Freitas, você já reparou como nós nunca mais conversamos direito?
-       É?
-       Ta vendo? Ainda fala comigo com monossílabos
-       Ah, Mara, ta tudo bem..
-       Freitas, pode olhar pra mim?
-       Querida, é que o jogo..
-       Jogo tem todo dia. Freitas, por favor! Não suporto falar com ninguém de perfil. Dá pra olhar pra mim?
-       Não dá para esperar nem o primeiro tempo, Mara? Puxa vida, você sabe como eu estava esperando esse jogo..
-       Qualquer jogo, Freitas, qualquer jogo é mais importante do que eu. Acho que está na hora de nós discutirmos a nossa relação
-       Ai meu Deus
-       Lá vem você! É sempre assim. Você sabe que os casais precisam conversar a relação de tempos em tempos, pra saber se vai tudo bem, o que anda faltando..
-       Uhhhhhhh!!
-       Que foi?
-       Quase era gol
-       Freitas, olha pra mim, por favor! Há quanto tempo você não me beija?
-       Ainda hoje..
-       Não estou falando de beijinho de bom dia, boa noite, tchau e oi, desses de encostar a boca no rosto. To falando de beijo, me entende? Há quanto tempo, me diz! Olha que começa assim, viu? O casal vai se afastando, se afastando..
-       Mara, pelo amor de Deus.. escuta, você está na tpm?
-       Lá vem você apelar! Não apela! Toda vez que a gente vai discutir algo importante da nossa vida, você me vem com essa.
-       Está ou não está?
-       Não interessa. Não desvia a discussão.
-       Meu Deus! Meu Deus! Meu Deus!
-       Não adianta apelar pra Deus. Olha pra mim, Freitas!
-       Olha, querida, o que quer que seja que você esteja sentindo falta, vamos fazer uma coisa: eu aceito. Você está com a razão. Eu vou procurar me esforçar. Tenho ignorado você, tenho passado as noites vendo jogo
-       Ainda tem a pelada de sábado
-       A pelada de sábado
-       O jogo de futebol na quarta
-       O jogo de futebol na quarta. Enfim, querida, prometo me esforçar
-       Ta debochando, é?
-       Como assim, debochando?
-       Você concorda com tudo, desde que eu vá embora e deixe de lado a nossa discussão?
-       Minha santinha, por favor.. escuta, sabe aquele sapato que você me falou que viu no shopping?
-       Não vem me subornar!
Há certos momentos, e Freitas sabia muito bem, que todos os truques falhavam. Mara ficava impossível e a cada tentativa, ficava cada vez pior. Apelou, desligando a televisão.
-       Pronto. Não tem problema, eu perco o jogo, tudo. Pode falar. Vamos discutir a relação
-       Agora vai ficar fazendo teatro, é? Quer passar por vítima? Eu é que sou a megera, que não te deixa assistir o jogo, é?
-       Você não queria conversar? Pronto, vamos conversar
-       Assim não quero. Olha, um dia você vai se surpreender comigo, viu?

Incontinenti, saiu pisando forte na direção do quarto. Ainda foi atrás, mas sabiam, os dois, estar cumprindo uma espécie de roteiro, encenado de trinta em trinta dias.

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