sexta-feira, 16 de março de 2018

INTERROMPIDOS

Era uma noite linda de verão. As filas eram enormes, mas lá dentro, dava para ouvir a alegria reinante. Edu e Márcia já estavam aguardando o show de Anete, cada um com sua latinha de cerveja. Edu, 18 anos, deu um tempo nos estudos para o vestibular. Aproveitou o show de Anete para dar uma relaxada, chutar o balde. Márcia, 16, faria vestibular no ano seguinte. Deixou para estudar no domingo, quando acordasse, Matemática, prova na segunda. Quando Alfredo chegou, Anete estava entrando no palco. Edu e Márcia estavam bem na frente. Alfredo, 27, foi rodeando até ficar próximo. Comprou duas latinhas. Na fila, já havia aberto os trabalhos. Ia passando um trenzinho. Foi atrás de Linda, de quem roubou o primeiro beijo da noite. Ã frente dela, José Carlos e Otávio, bem animados, roubando beijos. Era hit atrás de hit. Paravam apenas para reabastecer de cerveja. Veio Raimundo e botou um comprimido no copo de José Carlos. Alfredo era bancário e estava preocupado com o chefe novo que se apresentaria na segunda feira. Mas naquela noite, era tudo para Anete. Linda, 25, era realmente linda. Promotora de eventos, no dia seguinte, de emendada, ia trabalhar no lançamento de um produto no shopping. Mas quando se é jovem, ninguém se poupa de nada. José Carlos, 20, não trabalhava. Repetia vestibular ano após ano, mas ficava mesmo era em casa, ouvindo os discos de Anete. Os pais esperavam quando, enfim, iria amadurecer. Otávio, 32, era vendedor. Engravidou a namorada, casou, deixou os estudos para trabalhar. Descasou. Juntara dinheiro para o show. Raimundo, 23, traficava ecstasy. Bundeava pela cidade, aguardando os shows para faturar.
Linda estava passando mal. O trenzinho seguiu adiante, menos Otávio, que ficou preocupado e foi ajuda-la. Vomitou muito, pediu um tempo e saíram da muvuca. Ela o abraçou procurando conforto e ele gostou. Quando melhorou, tomou uma granada de água e o beijou. Ficaram se amassando num canto. José Carlos pulava como se não houvesse amanhã. O ecstasy pegou forte, misturado com a cerveja. Acabou esbarrando em um casal e o cara, malhado, deu um soco. Abriu clarão, mas José Carlos, caído, não oferecia perigo. Levantou e seguiu pulando e cantando. Edu e Márcia deram um tempo porque Márcia ia ao banheiro. E também porque o Edu achava que Márcia estava olhando para um bonitão, ao lado. Encontraram Linda e Otávio. Edu conhecia Linda. Já haviam paquerado. Então Márcia voltou e juntos, foram lá para a frente. A Márcia de olho no Edu e na Linda, que voltou a beber e Otávio já estava bem ligado. O show terminou. Mas continuou rolando som mecânico. O público foi saindo, mas Edu, Márcia, Linda e Otávio continuaram. Tá bom, vamos. Na saída, encontram José Carlos, com o rosto inchado, mas feliz. Alfredo estava encostado em um Gol. Era o carro de Linda. Já haviam se visto. Quem quer carona? Nós estamos indo lá para a Cidade Velha, continuar, sem hora pra acabar. Todos vibraram. José Carlos avisou que ficaria antes, em Nazaré. Fica no caminho? Vai todo mundo! Compraram mais umas latinhas. Vocês vão ficar aí, bebendo? Vamos no carro! Sentaram Linda e Otavio na frente. Atrás, quatro se apertaram, sendo que Márcia sentou no colo de Edu. Alfredo se acomodou no bagageiro. Uma farra. Linda ligou o som do carro e ouviram, novamente, Anete. Márcia estava apagando no colo de Edu, mesmo que rolasse uma leve excitação em ambos, prometendo, mais tarde, sexo. Os outros contavam piadas. Riam alto. Gritavam. Era um carro de festa. Linda dirigia rápido. Otávio com a mão em suas coxas. Na primeira curva, cantaram pneu. Oi! Todos gritaram, felizes. Sem hora pra terminar! Agora estavam na Avenida João Paulo, em alta velocidade. Havia um calombo na pista. Para quem estava dentro do carro, não houve tempo para nada. O mundo virou de cabeça para baixo, choques, tudo ficou escuro.

Edu tinha prova na segunda. Márcia, prova de Matemática. Alfredo teria um novo chefe na agência. José Carlos não tinha nada para fazer. Otávio pensava em bater o recorde de vendas. Raimundo tinha dinheiro no bolso. Eram. Tinham. Que pena. Vidas interrompidas.

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