sexta-feira, 26 de agosto de 2016

QUERIDO

Walter Bandeira foi um querido. Talvez o tenha visto pela primeira vez cantando com Guilherme Coutinho na antiga boate “Tic Tac”. Mas foi na boate da Assembléia Paraense, primeiro aos domingos, depois aos sábados, que o tenho na lembrança. O hit “Curtição”, uma mistura de samba e balada, com Guilherme fazendo Cesar Camargo Mariano e ele fazendo Simonal. No entanto, para mim, funcionava “eu e eu, neste amor que só vive em mim, que nem mesmo pode morrer, sendo eterno na dor, de amar..”, romântica, fundo musical de meus sonhos de amor na adolescência. Sim, naquela época, dançávamos juntos, havia um pequeno intervalo preenchido com música mecânica e pasmem, tocava até “Whole Lotta of Love”, do Led Zeppelin. Naquela época, os gays já saíam do armário, primeiro como “engraçados”, aqueles que diziam gracinhas com um fundo de verdade. E Walter se colocou muito bem. Cantor preferido do soçaite, sua performance era cheia de gestos femininos e xistes na direção dos homens, ironias, tudo provocação. Ele vestia essa persona para dizer que estava ali por dinheiro e aproveitava a liberdade para dizer algumas verdades. Quanto a mim, gostava de conversar. Nos aproximamos na base da provocação. Satisfeito com as respostas, estendia os temas, discutia a evolução ou involução da cidade e seus costumes. Professor de dicção, foi um grande locutor e apesar de se tornar marca da Rádio Cultura, foi por mais tempo funcionário da Rádio Rauland. Nunca o vi atuando no Teatro, mas assistia a quase tudo o que era apresentado. Seu estilo pessoal era desleixado, na base do “se dependesse de mim, nào estaria aqui”. E fazia isso mesmo que a festa onde cantava fosse black tie. Todos diziam que devia seguir para o sul e tentar uma carreira nacional. Preferiu ficar. Produzi um show dele, parceria com o saudoso Eduardo Silva. “50 Caetanos”. Agora não lembro se o baiano fazia 50 ou ele. Depois, Eduardo o convenceu a fazer um show bem produzido, bem vestido, com orquestra, no Teatro da Paz, onde não fizesse as piadas e ironias de sempre. Escrevi no jornal que era um Walter “lobotomizado”.

Ele nem deu bola, mas Eduardo não gostou. Trabalhamos juntos produzindo a cantora Ana Cristina. A convivência era ótima, séria e com bom rendimento. Era descuidado. Adotou como idéia de vida. Bebida, cigarros, tudo o que não prestava para sua voz. Sem estranhos por perto era uma pessoa doce, inteligente, que gostava de conversar e era atento a tudo o que acontecia no mundo. Com outras pessoas, fazia o personagem. Pintava aquarelas lindas. Estava gravando um disco. Me disse que era pra fazer sucesso. Canções fáceis, na linha pop. Uma tarde, compus uma música. Na época, a italiana Cicciolina era política e sofria grande rejeição. “Eu to do lado da Cicciolina”, escrevi. Gravei demo. Enviei. Acho que não vai dar, disse. O repertório está pronto. Está bem, gravaremos como uma vinheta, tá? Tá. Que bom, foi a música que mais fez sucesso do disco. Gravou alguns jingles que compus, um deles, um tango para o lançamento do edifício Las Leñas. O tempo foi passando. O Cuíra achou de encenar um texto “Quando a sorte te solta um cisne na noite”. Compus umas músicas. Chamei Walter, Nilson Chaves e Marco Monteiro para gravar. Deve ter sido sua última gravação. Ele faz falta. Queixou-se quando ficou insuportável. Foi muito rápido. Sem espaço para bis. Um amigo, grande cantor, personalidade da cidade. Talvez tenha achado que a farra lá no céu precisava dele.

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