sexta-feira, 19 de agosto de 2016
HOMEM BOM
Não
é que eu queira me meter na vida de ninguém. Cada um vive como quiser, é claro.
Há quem nem pense nisso. O sujeito cresce, faz vestibular, se forma, casa, tem
seu emprego, dois filhos, vai à missa aos domingos, ao futebol mais tarde e
está tudo certo. Quando morrer, pode deixar a viúva com lugar para morar,
algumas economias, dois filhos criados. Isso será seu legado? Lembrarão dele
apenas como um cara bacana, ou houve alguma realização marcante de sua passagem
por aqui? Ela nunca foi tão bonita e encontrou outro mais ou menos. Enquanto os
bonitos brigavam entre si, eles eliminaram esse problema, namoraram e casaram.
Ela, do lar. Quando perguntam como vai a vida ela diz que vai levando. Só. É
suficiente? Qual foi sua marca, algo para lembrar aos outros daquilo que você
foi? Eu me pego pensando nisso. Repito que não quero me meter na vida de
ninguém, mas quais suas expectativas? O que te faz levantar nas manhãs e
realizar alguma coisa realmente relevante, digamos, para a sociedade, para si
próprio, algo em que acredite, mesmo que não acreditem em você? Algo pelo qual
valha uma briga incessante, para chegar a um resultado. Eu já passei dos 60. Li
no facebook que após os 50, devemos dar um break. Parar de pagar qualquer coisa
para os outros. Sustentar filhos. Faltarão menos anos para o fim. Qual a razão
para não aproveitar a vida, viajar, simplesmente não fazer nada? Mas o que terá
feito até então? Já fiz algumas coisas. Trabalhando com Cultura, Rádio e
Jornalismo, cheguei a alguns resultados que, olhando para trás, me agradam.
Olho e percebo que há registros de minha passagem por aqui. Não sou bom em
datas, teria problemas em localizar cada pequena vitória, para mim tão
importante, nessa trajetória. Há quem leve uma vida apagada, meramente
tranquila e, de repente, no clube, seja festejado por ser bom de futebol. Passa
o dia completamente anônimo e à noite, no clube, transforma-se em herói. Todos
querem estar no seu time, abraça-lo a cada gol. Depois, volta para sua
obscuridade. Mas é feliz. Descobriu no esporte um caminho para a realização.
Quando se for, não dirão que foi um grande economista, por exemplo, mas que jogava
muito. É alguma coisa? Depende de cada um e sua expectativa. E é mesmo
necessário fazer alguma coisa? Se não houver público, o que será do artista? Se
não houver ciclistas, o que será do mecânico de oficinas? E o que se intitula O
Rei dos Churrascos. Quem há de desmenti-lo? Tudo isso me leva ao início. O que
ficará, depois de mim, nesse mundo? Hoje tudo é tão veloz, descobertas
imediatas, um futuro que já chegou e talvez até já tenha ido. Na velocidade em
que vivemos, o presente elimina o futuro a cada segundo que passa. O terrorista
islâmico, além de ter à sua disposição mil virgens, terá seu nome lembrado pelos
companheiros como um mártir. O que pode querer um carrasco a ser lembrado? Ou
aquele matador, cheio de orgulho por tantos crimes. Em nossa bondade, após a
morte, lembramos sempre os melhores momentos dos que se foram. Bem, às vezes há
muito pouco a recordar. Meu pai ficava incomodado, a partir de uma certa idade,
em ter visitas a velórios cada vez mais frequentes. Era uma geração que estava
trocando. E ali, quase os mesmos, sempre, se entreolhavam e pensavam quem seria
o próximo. E o que ficaria de sua trajetória? O que sei é que uma vez perguntei
ao meu pai como queria ser lembrado e ele me disse: como um homem bom. Só isso
importa. Pensei muito nesse conceito. Concordo. Às favas com as conquistas.
Quero é ser um homem bom.
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