sexta-feira, 4 de março de 2016

SATISFACTION

Ao meu lado, jovens comentam músicas dos Stones que gostam mais. Fiquei constrangido ao perceber que conheço a banda desde o primeiro disco. Que já li várias biografias. Sei da razão de cada música ter sido feita. O Morumbi estava enchendo de gente e de água. Chovia. Todos com capas de chuva, aguardando. Escureceu e entraram os Titãs. Sua escalação talvez tenha sido para combinar com uma plateia mais adulta? O que faz uma banda consagrada, digna de ser a grande atração da noite, fazer abertura, sem o som total, poucas luzes e nem transmissão no telão? Quem abre o show geralmente é banda nova, que precisa se mostrar. Como fã, fiquei dividido, porque logo aos acordes de “Lugar Nenhum”, todos começamos a pular e a cantar. A essa altura, ainda dava para enxergar o palco e os músicos, como miniaturas. O show foi ótimo. E agora, nova pausa para os técnicos prepararem a cena para os Stones. Nuvens de maconha estão pelo ar. E são, na maioria, tiozinhos com olhar divertido, fumando com sua turma. Parecem advogados, engenheiros, empresários, quem sabe, autoridades, soprando a fumaça do seu back sem culpa alguma. O estádio já está lotado. Alguém, nas arquibancadas, descobre um filho de Lula. Todos vaiam e despejam insultos. De dentro do campo, não percebemos muito bem. Também não vejo mais o palco. Quisera ter mais uma 10 centimetros de altura. Mas há telões e o som. Não é a primeira vez que estou ali. Olho em volta e imagino a emoção de um atacante ao fazer um gol, as torcidas vibrando. Soa “Start me Up” e os Stones estão em cena. O som ainda não é bom. Não passaram, antes? A voz de Mick está baixa, a guitarra de Ron está mais alta, não sinto a vibração do baixo, mas pulo. Todo mundo pula. Aqueles velhinhos entram com tudo. Meu irmão disse, impressionado, que sabia que ali havia um investimento de milhares de dólares, mas parecia que estavam todos se divertindo, curtindo tocar juntos, combinar notas, acordes. Outro disse que o maior ensinamento era ver que na casa dos setenta anos, ainda era possível tocar rock and roll. A competência da banda é fantástica. Há dois tecladistas, seção de metais, vocais de apoio e um baixista, todos excelentes, garantindo uma cortina sonora, deixando os velhinhos seguros para se mostrar. A formação é um losango que começa em Jagger, tem Wood e Richards e ao fundo, Charlie Watts. Enquanto o baterista é sóbrio, com fleugma característica, Wood e Richards se divertem. Agradam um ao outro com acordes, sorriem, se tocam, acendem cigarros, ajoelham, fazem poses como que saboreando tudo. Wood já fez mais escada para Richards. Agora são dele muitos solos. Keith prefere os acordes. É o autor de todos os riffs. Os rostos idosos, como mangas chupadas, parecem felizes. Mick Jagger é outra coisa. Ele dança, corre, canta perguntando, afrontando. Tira a camisa. Há outra por baixo. Deixa verem seu umbigo, barriga inversa, rebola, diz algumas palavras em português. A chuva volta para mais alguns minutos. E enfim Mick sai de cena, para o momento solo de Keith Richards, que faz “You got the silver”, maravilhosa, com solos de Wood. Também toca “Happy”. Em volta, moças encontram rapazes e após alguns olhares, já estão aos beijos. Outras olham embevecidas para meu sobrinho que sabe cantar todas as letras das músicas. Os tiozinhos também conhecem. A garotada canta o refrão. Eles tocam todos os hits e então vem “Satisfaction”, para encerrar. Não, não há bis. E a luta para voltar para casa. Corredores internos do estádio lotados, calor, gente passando mal e depois, subir as ladeiras do Morumbi à procura de um taxi. Já não tenho mais idade para isso.

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