sexta-feira, 25 de março de 2016
TEMPO, TEMPO, TEMPO
É
claro que o dia amanheceu, os jornais estão sendo entregues, hordas de atletas
passam correndo, outros estão engravatados iniciando seu dia. Enfim, um dia
normal para quase todos. Mas para alguns, um dia ainda mais especial, meu caso,
pois faço aniversário. Nesses dias em que completamos anos de vida, a partir de
uma certa idade, pensamos muito em nossa trajetória, o que deixamos para trás.
Vem a música de Caetano, a “Oração ao Tempo”, que diz “compositor de destinos”.
Pois é, eu olho para atrás e nem acredito. Tanto tempo passado, a chegada no
que chamam de “melhor idade”, embora eu prefira meu avô Edgar Proença, que dizia
“seu colega, a velhice é uma merda”. É. Penso em como demorei a amadurecer. Fui
criança durante muito mais tempo que devia. Dei muitas cabeçadas, procurando
meu lugar nesse mundo. E nesse ínterim, a vida passava afobada e eu querendo
engoli-la como uma coca cola. Foi depois dos 40 que as coisas começaram a
acalmar e estranhamente, a encaixar. Dez anos depois, num dia como hoje, estava
em frente ao espelho do banheiro e antes de começar a barbear-me, prestei
atenção ao rosto. Comumente, fazemos nossa assepsia automaticamente, as mãos,
comandadas pela memória e tato vão limpando, ensaboando, escanhoando. Mas ali,
pela primeira vez, a criança, o adolescente doidivana olhava para a face do
corpo que lhe vestia e percebia as rugas, o bigode chinês, sinais, sobrancelhas
com fios brancos, o grande e proeminente nariz, lábios levemente tortos, como
um permanente esgar. Meu Deus, será que sou mesmo este que agora encaro ao
espelho? Estupefato, o moleque fica melancólico. Quanta vida foi vivida! Dez
anos mais, ainda, vejo-me aceitando atendimento preferencial, estacionamento
para idosos. Idoso? A idade chega para quem quer. O corpo, sob o sol tropical
sofre, sua, engorda, essa barriga que nunca pensei em ter, mas a mente, ainda é
do rock and roll, como Mick Jagger, cantando a plenos pulmões, “it’s only rock
and roll but I like it”. Você olha para trás e pensa nos livros que escreveu,
nas músicas, nas peças de teatro, de uma emissora de rádio que construiu. Você
lida com um dos aspectos mais difíceis da chegada da velhice, que é a perda do
protagonismo quando joga futebol. Até ontem era você quem decidia as partidas,
driblava, comandava, distribuía o jogo. Hoje, há outro, mais jovem como
protagonista, enquanto você, mentalmente executa as jogadas, mas fisicamente já
não consegue mais acompanhar a velocidade. Você agora se contenta com alguns
passes corretos, justamente agora que você conhece todos os atalhos do campo,
que sabe tudo. Melhor agradecer a Deus, ao tempo, ter conseguido criar seus
filhos, com uma profissão tão difícil, tão competitiva. Parece ter sido um
milagre, mas quem viveu o dia a dia, sabe como foi. Não posso dizer que vivo na
tranquilidade. Hoje, isso é cada vez mais difícil. Prefiro pensar como naquela
música do Pato Fu, “tempo amigo, seja legal, conto contigo, só me derrube no
final. Ou dos Mutantes, “mais louco é quem me diz e não é feliz. Eu sou feliz”.
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