sexta-feira, 20 de novembro de 2015

VIZINHOS DESCONHECIDOS

É incrível como somos vizinhos de Caiena e nada sabemos de lá. E os guianenses até pouco tempo, também em nada se interessavam por nós. Viviam com o rosto espichado para além mar, França, completamente deslocados. Isso está acabando. O interesse pelo Brasil é manifesto de várias turmas em colégios estudando o nosso idioma, além de uma ponte, que infelizmente, até agora, apesar de vários anos passados e o lado aduaneiro deles estar pronto, nada do nosso país preparar o seu. Sabe-se que a ponte é utilizada pelas forças armadas, para trocar criminosos ou deportados.

Vim até Caiena participar do Salão do Livro, a convite de PromoLivres, juntamente com outros brasileiros, franceses e escritores da Martinica. O vôo da Azul, que iniciou em agosto, eles dizem, é maravilhoso como início de maior diálogo, mas há muitos brasileiros trabalhando aqui. Claro, há, também, muitos clandestinos, trabalhando em garimpos, casas de show, prostituição ou serviçais, ao lado dos legais, que têm seu trabalho, casaram com guianenses ou estão de passagem. Os negros chegam a 80% da população de uns 350 mil habitantes. Como nada produz, a maioria é do funcionalismo público. Bom salario, bônus por filhos, passagem anual para a França e ao que parece, paz social, são atrativos. Apesar de me dizerem haver alguns problemas raciais entre negros, brancos e chineses, nada pude perceber. Pelo contrário, claro, pelos lugares que percorri. O ar é salino, mas as praias não são aproveitadas pelo turismo. Não há taxis, tampouco ônibus de linha. Todos parecem ter carros. Quase ninguém pelas ruas e fora do centro, não há calçadas. O cenário, a vegetação, é como a nossa no Pará. Carros magníficos, casas com imensos quintais, prédios de no máximo seis andares, a maioria com apenas três. Elodie, dona da livraria, leva a mim, Jean Paul Delfino e Luiz Ruffato para uma volta pelo centro. Casas antigas, como as que encontramos nas ruas de New Orleans. Não, não há grafites. A praça central é um pouco maior que a pracinha de Salinas ou de Mosqueiro. Quando passamos pelo bairro mais pobre, dos chineses e pelo que chamam de Chicago, vemos um carro da gendarmerie. Fomos falar em um Liceu para estudantes de português, a maioria com 16 anos. Filhos de brasileiros, martiniquenses, franceses, guianenses e haitianos. Alguns sentem-se franceses, outros, guianenses. Um brasileiro disse que se jogassem Brasil x França, torceria por nós. Tem McDonalds e a comida, em geral, não é gostosa. Há escolas por toda parte e a integração me pareceu muito boa. A consulesa brasileira não é bem vista pelos brasileiros. Sua antecessora era muito benquista. O Amapá mandou escritores e até uma peça de teatro infantil. Ficamos em um hotel muito bom e formamos um grupo amistoso. Conversei com Bernard Lamar, que foi goleiro do PSG de Platini e campeão de vários torneios internacionais. Ele preside uma base avançada para desenvolver o esporte. Caiena já enviou diversos atletas nas mais variadas categorias para a seleção francesa. Luci é uma delas, campeã mundial e medalha de ouro no judô. Conversei com ela sem saber de sua carreira. Quando vi a reverência com que era tratada, me informei. Ao final de um dos nossos debates, recebemos a notícia dos ataques em Paris. Ficaram todos bem abatidos. Meu agradecimento às duas heroínas organizadoras do Salão do Livro, Tchisseka e Monique Dorcy. A verdade é que nós e eles precisamos nos visitar mais.

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