Quando era mais jovem, ouvia
nas emissoras AM o noticiário policial feito com grande estardalhaço. Havia os
Comandos da Notícia, de Randolpho Coelho, na Rádio Clube e a Patrulha da
Cidade, de Paulo Ronaldo, na Marajoara. Desde o prefixo, havia adrenalina no
ar. Os locutores trabalhavam a melodia da voz contando os acontecimentos do
dia, entrevistando policiais e meliantes. Eram heróis da sociedade e creio que
na população de baixa renda, que lhes dava maciça audiência. O tempo passou e
as emissoras de televisão, com a chegada de equipamento mais leve e mais
técnico, através de programas populares, começaram a trazer a realidade para as
telas. Vieram os repórteres mostrando cenas escabrosas, corpos em pedaços,
meliantes agonizando, tiroteios, um clima antes visto apenas nos filmes de
ação. Com o sucesso, desses programas, o material gravado passou a ser
utilizado, também, em noticiários, ganhando em audiência da notícia em outros
campos. Lentamente, todos os concorrentes, inclusive a mais forte emissora,
transformou seu antes asséptico jornalismo em um jornal de assassinatos e
crimes. Hoje, temos na hora do almoço, de jantar, madrugada, manhã cedo, esses
vídeos perturbadores, delegados e assassinos, ladrões e outros se mostrando. Já
sabemos o que uma “bala traçante”, uma AK47 e outros termos. Onde essa corrida
vai parar, não sei. Mas há uma possibilidade bem perigosa, sugerida pelo filme
“O Abutre”, "Nightcrawlers", que acabo de assistir e que me deixou bem preocupado. O sujeito era
um vagabundo até assistir à performance de um vídeo jornalista em um acidente
automobilístico que acabara de acontecer. Após a filmagem, o ouviu no telefone
negociando as imagens com um canal de tv. Fez um empréstimo, comprou um
equipamento básico, que incluiu rádios capazes de ouvir todo o tráfego interno
da Polícia e pôs-se, todas as noites, a aguardar os acontecimentos. Pior, sem
escrúpulos, chegava primeiro, filmava pessoas agonizando, ensanguentadas, às
vezes fazia algumas perguntas. Vendeu para o canal de menor audiência que a
partir daí, começou a elevar seus números. Como sempre ocorre, a espiral foi
até o insuportável. Ouve antes da Polícia um alerta. Chega em uma casa. Tiros.
Dois homens saem e são filmados inclusive no carro. Após, iro entra na casa e
filma todos os mortos. Há discussão ética na tv, mas a força dos números de
audiência é mais forte. Sucesso. Não, ele não mostrou, nem à Polícia, o rosto
dos matadores e a placa do carro. Através dela, descobre o endereço. Fica de
tocaia. Quer que estejam em um local de movimentação para dar o alerta e filmar
tudo em primeira mão. Agora, está manipulando a realidade a seu favor. Eles
chegam a uma pizzaria. Dá o alerta. Há tiroteio. Um dos bandidos, ferido, foge.
Ele vai atrás. Uma batida faz capotar o carro do bandido. Nosso amigo tem um
ajudante. Recebe ordens de levar a filmadora e ver o que ocorreu. Não, o
bandido ainda não estava morto. Mata o funcionário e depois é morto pela Polícia.
E tudo foi filmado. Mais, filma o funcionário em suas últimas palavras. É só
negócio. Onde vamos parar? Li em “Sangue Azul”, escrito por um policial do Rio
de Janeiro que os soldados, cansados de tanta exploração e conhecimento de
acertos entre seu comando e traficantes, entram no negócio. Roubam o paiol dos
caras e o revendem para outra favela. Sequestram traficante e cobram resgate
dos bandidos. Outra coisa. Dinheiro e drogas corrompendo consciências. Um outro
mundo.
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