sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

PARENTELA

Estou em um dos prédios do INSS, por conta de um problema na aposentadoria de minha mãe. É, talvez, a quarta ou quinta vez que venho aqui. Lá fora, na avenida Nazaré, o trânsito buzina, freia, grita e motores resfolegam. Aqui dentro reina uma modorra. A luz é branca e fraca. Dois monitores estão ligados no programa de Fátima Bernardes, mas não há som. O que se ouve é o ruído de outros monitores que avisam a senha da vez e o guichê de atendimento. Estamos todos calados e atentos. Quando fui chamado, me atendeu um senhor corpulento, moreno e cenho fechado. No peito, camisa aberta e uma medalha com escudo do Clube do Remo. Hoje, finalmente, tudo vai acontecer, pensei. Enviou-me até seu gerente. Outra espera. Ao meu lado, uma moça e sua mãe, bonitas. Vai falar com Seu Alberto? Não, digo, vou falar com Ronaldo. Ele me chama. Sua sala é pequena, sem adornos. Uma folhinha da Caixa 2015 está jogada em um canto. Um armário lotado de caixas. A mesa, um mar encapelado de papéis, processos. Na ponta, um computador desgastado é como o Rochedo de Gibraltar. Atencioso, educado, me surpreende com a acolhida. Em outra vez, na tal sala onde estava, com minha mãe, a atendente negou-se a reconhece-la, 92 anos, na carteira de identidade. Obrigou-a a tirar nova carteira, nova foto e enfim, ainda estou aqui tentando resolver. Ouve meu relato. Acho que deveria dar um trato no visual. Fazer a barba, pentear o cabelo. A roupa é neutra. A luz é branca e fraca. Tudo cinza. Mas para ficar naquele cubículo, sob a luz branca e fraca, mergulhado em um mundo de papéis, dar um trato para quem? Para quê? Desculpe a desarrumação da mesa. É que estou homologando ponto de servidores e fica tudo assim. Dá uns dois telefonemas. Amistoso, conta piadas rápidas aos colegas antes de entrar no assunto. Explica que, com o incêndio do prédio na esquina com a Dr. Morais, todos os processos de tal ano foram lá para São Brás. Mas vai se empenhar em resolver. Conheces Jurandir Camarão? Não. É que tua mãe é Camarão. Acrescento que a família é de Muaná. Isso mesmo. Não conheces Jurandir Camarão? Não. São todos de Muaná. Ela também é Magno, não é? Sim. Eu sou Magno. Tudo gente de lá. Pior, antes de tu entrares, estava aqui a esposa do atual prefeito de Muaná. Sim, meus avós maternos vieram de Muaná. João e Sant’Ana Camarão. Parece que o Marajó inteiro baixara naquela sala. Ele conta que alguém de lá, teve 25 filhos, com duas mulheres. Retruco que somente minha avó materna teve 14 filhos. Eram os costumes da época. Ronaldo prontificou-se a resolver o problema com a aposentadoria da mãe. E eu acreditei. Na saída, disse tchau, parente. E quando cruzei a porta, avisei à moça e mãe bonitas que o nome era Ronaldo, e não Alberto. E a caminho da rua, o atendente corpulento pergunta que tal. Tudo certo. E acrescentei: Leão! Ele sorriu, satisfeito.

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