A
leitura de Maria Bethânia e Cleonice Berardinelli foi apresentada uma única vez
em público, na Flip de 2013. Soube que seria lançada em dvd desde o início do
ano passado. Finalmente, chegou às lojas.
sexta-feira, 23 de janeiro de 2015
(OVENTO LÁ FORA)
Nós
estávamos na casa de Rosenildo Franco, produzindo um programa que se chamou
Sábado Gente Jovem e que apresentamos na Rádio Clube do Pará. Faltava um
encerramento. Rosenildo foi até uma estante e trouxe um livro de Fernando
Pessoa. Resolvemos abri-lo aleatoriamente e ler o que estivesse na página. “Nem
tudo é dias de sol e a chuva, quando falta muito, pede-se. Por isso, tomo a
felicidade com a infelicidade naturalmente, como quem não estranha que haja
montanhas e planícies, rochedos e erva. O que é preciso é ser natural e calmo.
Na felicidade ou na infelicidade. Sentir como quem olha. Pensar como quem anda.
E quando se vai morrer, lembrar-se que o dia morre, o poente é belo e é bela a
noite que fica. Assim é e assim seja. Ao fundo, o solo de flauta de “I talk to
the Wind”, do King Crimson. A voz foi do mano Edgar Augusto. Não sei bem o que
significou para os outros, mas em mim abriu uma janela para Fernando Pessoa, o
famoso poeta português. Talvez pouco tempo depois, Maria Bethânia grava em
disco seu show “Rosa dos Ventos”, onde declama um trecho do poema “Menino
Jesus” e me arrebata. Primeiro, claro, pela beleza gigantesca dos versos.
Segundo porque, trabalhando em rádio, mexendo com a melodia da voz, que dá
todos os significados para quem ouve, Bethania levou-me para o mundo
maravilhoso da poesia. Passei a consumir os livros lançados no Brasil. Passei a
conviver com Pessoa e seus heterônimos (e o são, e não pseudônimos, porque tratam-se
de personalidades e pensamentos distintos) Alberto Caeiro, Ricardo Reis e
Álvaro de Campos. Cheguei ao máximo de gravar o poema do “menino Jesus” e
enviar aos amigos como presente de natal. A melodia é tudo. Mas não me tornei
nenhum especialista no assunto. Apenas, de vez em quando, abro meus livros e
releio meus poemas preferidos. Tenho a curiosidade em conhecer mais sobre sua
vida, as circunstâncias. Por isso fiquei tão feliz em assistir o dvd “(o vento
lá fora)”, onde Maria Bethânia e a especialista em Pessoa Cleonice Berardinelli
declamam alguns poemas. É muito simples, como se estivessem na sala de sua
casa. Tudo em p&b. A mesa, as pastas, alguns livros, copo de água,
microfones. Cleonice brilha intensamente. Talvez tenha mais de 80 anos, mas é
ativa e cheia de personalidade. Sua dicção é excelente. Sua melodia,
reveladora. Tem o timing perfeito. A respiração. As pausas dramáticas. Chega a
corrigir Bethânia aqui e ali. E revela detalhes, até mentiras de Pessoa que
disse ter escrito em um jato, os poemas do “Guardador de Rebanhos”. Não foi bem
assim. Nos extras, explica que há longos anos ministra cursos e profere
palestras sobre o bardo português. Bethânia com sua voz poderosa, sua
habilidade em encher de emoção suas interpretações. É tudo muito lindo e me
pareceu imperativo recomendar aos leitores este dvd. Nosso mundo está cheio
demais de realidade. Tiros são ouvidos, balas perdidas procuram por alguém.
Vítimas em fuga, algozes em fúria, gente demais prometendo mortes em nome de
seus deuses, enquanto outros oferecem a salvação em módicas prestações. Pessoas
assassinadas por zombar de Deus. E nada é sagrado, não é? Não resisto em
acrescentar um trecho de Pessoa/Alberto Caeiro, meu favorito: Mas se Deus é as
árvores e as flores, e os montes e o luar e o sol, para que lhe chamo eu de
Deus? Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar.
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