quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Isso não pode ser esporte

Há muito tempo atrás, criança, assisti no Palace Teatro, que ficava atrás do Grande Hotel, uma luta entre dois famosos lutadores de "Vale Tudo". Não lembro a razão de estar ali. Não devia. A luta não durou nem dois minutos. Um chute na lateral da cabeça pôs um dos litigantes a nocaute. Nunca esqueci. A rapidez. A violência. A agressividade do ato. Tempos depois tivemos em Belém nossos próprios lutadores, mas na base da mentirinha. Havia Bufalo e Tourinho, eternos rivais, ele era o malvado, o outro o galã. E tantos outros. Na televisão Ted Boy Marino reinava. Rapaz, lembro do Bufalo como porteiro de festas, aguentando as provocações absurdas de João Batista, que hoje todos conhecem como "Dentinho", ou Azevedo Barbosa. Coisas de rapazes. Meu filho mais novo, aficcionado de lutas americanas que passavam no canal fechado, ficava revoltado quando lhe garantia que tudo aquilo era ensaiado, cheio de truques e ninguém se machucava tanto assim. Era de mentirinha. Mas então veio Mike Tyson. Meu pai dizia necessitar um banho gelado após assistir suas lutas. Parecia uma fera que se atirava ao oponente com um ódio desmedido e um sem número de socos potentes. Passei a assistir suas lutas, misturando curiosidade, nojo, agressividade, medo e talvez morbidez, como quem assiste a uma tourada onde aquele animal de toneladas vai para o chão. Não gostava das categorias mais leves. Via as lutas como quem assiste a uma tourada. Um dos bois irá ao chão.
Agora, temos o MMA ou UFC, sei lá. Os Gracies chegaram ao Japão e aos EUA onde as lutas quase não existiam e transformaram tudo a partir do jiu jitsu que sabem, começou aqui em Belém, com Conde Koma. Os Gracies foram saindo. Seu estilo, perceberam, não era tão espetacular. Queriam sangue, muito sangue. Aqui enfim chegamos. Nas madrugadas de domingo, assisto algumas lutas. Percebo que me contraio, torço, e depois tenho dificuldade em dormir. Não é esporte. É carnificina. Lembro dos grandes filmes sobre gladiadores. Maciste, Spartacus. Agora mesmo, tentei assistir à série Spartacus, ao que tudo indica, feita na Inglaterra, o que seria um selo de qualidade. Uma decepção. Ótima produção, para vermos muitos nus femininos e masculinos frontais, cenas de sexo e muita violência. Há um outro dado que talvez as mulheres possam contestar, já que são sempre corpos femininos a terem preferência a aparecer nus. É que a nudez de homens, ou seus corpos sujos de sangue e lama sugere algo homossexual também. As câmeras lambem corpos masculinos sem parar. Nas cenas de sexo, são suas bundas que ficam em close. As lutas são espetáculos de balé e explosão de sangue. Zuenir Ventura escreveu sobre isso, hoje, em O Globo. Arnaldo Jabor. Parece que há um anseio pela destruição. Uma vibração por uma espada que fende um humano de cima abaixo. Que espetacularmente espalha miolos pelo chão. Pior, não parece haver uma história, um enredo em si. E eu fui assistir porque acabara de ler uma biografia de Julio César, que em algum momento passa próximo ao levante comandado por Spartacus. Parei.
Entendi quando Lúcio Flávio em seu Jornal Pessoal sugeriu ao nosso Lyoto Machida sair fora do circo. Machida, tentando impor a filosofia do karatê, a honra do lutador, em um circo onde isso é o que menos interessa. Lyoto levou o soco e já caiu desmaiado. Shogun seguiu socando, provocando um grande corte em seu rosto, até o juiz suspender o combate. O paraense talvez não interesse mais à organização. Seu estilo é discreto, de poucos mais potentes golpes. E o circo quer sangue, muito sangue. Cotoveladas, pontapés como o de Anderson. E passam em câmera lenta, os rostos se contundindo, explodindo em sangue, muito sangue. Vai haver um combate no Brasil nos próximos dias. Todos os ingressos já foram vendidos. O coliseu estará armado. Algumas milhares de pessoa verão ao vivo. Milhões pela televisão. Isso não é esporte. Recuso-me a aceitar. Desculpem a brincadeira, mas somente me imaginar treinando oito, dez horas por dia, me abraçando, rolando pelo chão com outro homem, ao invés de minha namorada, francamente...
Mas assistirei. Não resistirei. Também seria inócuo. Ficarei tenso, contraído, excitado para a violência e não adianta nada os lutadores, arrebentados, cumprimentarem-se como grandes amigos. Não é esporte. É um quadro dos dias que vivemos. A festa da violência. Rasgar, quebrar, machucar, contundir o outro. A não perfeição. A destruição como mobilizadora da sociedade e não a construção. Não é o brilho da inteligência e sim o da agressividade. A festa da violência. Da degradação que vivemos. Retornamos ao que disse aquele famoso deputado do mensalão, "instintos mais primitivos". Não é só dinheiro. É a sede da violência. Talvez assistamos para que o lutador, com seus murros, dê murros em nossas decepções, ilusões, falta de dinheiro, dificuldades. Nos cinemas, os filmes de destruição estão lotados. Destruído, nocauteado, sangrando abundantemente o lutador no octógono, comemos mais uma pipoca e nos sentimos vingados. Isso não pode ser esporte.

6 comentários:

Nosso Blog disse...

Perfeito.

Anônimo disse...

CONCORDO, por isso nem me dou ao trabalho de prestigiar tais eventos, seja ao vivo, seja pela tevê. Mas opinião não se discute.
BLOGUEdoValentim

MPenna disse...

Te vejo em Gadgats on line e devoro seus textos. Muuuuito bom.
Marcello

Blogueiros do Brasil, notícias & poesias disse...

Na realidade estamos em estado regressivo, e a cada dia piora.
A selvageria impera tanto na arena quanto fora dela.

Rosangela Simões disse...

Opinião não se discute. Um comentário de Edyr Proença.Que saudade dessa Era maravilhosa do Rádio, onde meu pai foi muito feliz...
A propósito desses espetáculos de luta-livre, comentei hoje com meu marido que chegou de viagem sobre essa verdadeira onda de reverenciar lutas como se fosse uma sessão de cinema ou partida importante de futebol. Muitos amigos abrem suas casas para o evento regado a salgadinhos, queijos, vinhos ou uma boa cerveja. Entrou para a categoria de divertida(?)efeméride social.
Concordo que isso não pode , mesmo, ser esporte.
Sendo honesta, lembro que, na década de noventa, comprei uma TV de 29 polegadas e pedi a um amigo que trouxesse a novidade de Manaus, da Zona Franca, para presentear meu marido que estava ansioso para rever Myke Tyson, após sua temporada de xelindró. Foi uma gostosa surpresa! Artur adorou a TV canguru, lindona, a luta foi assistida com esse up-grade.Uma luta de Boxe!Violenta, mas havia uma aura de competição esportiva permeando tudo.
Acho assustador, porém sedutor. Uma sedução por esse tipo de embate que me fascinou desde os tempos de Cassius Klay, o bailarino boxeador, lindo, carismático, exemplar pelos "sim" ou pelos "não" que formulou em sua vida. Acabou esse intersse, morreu o encanto do Boxe, quem sabe...
Agora, luta-livre, essa questão de honra e reverência à violência, sempre me deixou com um pé atrás. É isso: sou muito medrosa, frouxa!!Que luta-livre seja esporte, acho que não.
Faço um coro: Isso não pode ser esporte!
Rosangela Simões Gonçalves

Edyr Augusto Proença disse...

Rosangela, se voce eh filha do saudoso Osmar Simoes, saiba que privei de sua companhia ainda na Radio Clube e nao soh o adorava mas o respeitava. Atualmente jogo futebol com seu irmao, Rogerio, uma pessoa tambem muito querida.
Abs