terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Mutantes, mas há coisas que não mudam

Assisti, com atraso, ao DVD com as apresentações dos Mutantes no Barbican Center, Londres, ocorridas, creio, no final de 2008 ou começo de 2009, sei lá. Para mim, foi uma catarse. Aproveitei que estava sozinho e botei o volume no máximo. Deixei que a música de Arnaldo, Sérgio e Rita me invadisse, não somente trazendo de volta todo um passado sonoro, lindo, rico, de minha adolescência, mas também me fazendo vibrar pela absoluta atualidade dos temas, incrível, tantos anos passados, tantas mudanças ocorridas.
É claro que os Mutantes me foram apresentados pelo Edgar, irmão mais velho. Tudo passava por ele. Ouvimos juntos desde o primeiro disco. A única lembrança de assisti-los tocando, e mesmo assim em gravação de video tape foi na apresentação no Festival de 1968, creio, acompanhando Gilberto Gil em "Domingo no Parque", até hoje, algo absolutamente original, genial, moderno. Uma orquestra, um berimbau, um grupo de rock, tocando um baião de letra cinematográfica. Adiante, assistindo "Loki", o belo documentário sobre Arnaldo, lançado pelo Canal Brasil, há uma breve entrevista feita nos bastidores daquele festival. O repórter quer saber o que representa, para Arnaldo, tocar com Gil. Ele responde, jovem, petulante, que tudo bem, foi legal. O repórter acusa a petulancia. Gil, ao lado, explica, que a iniciativa de convidar os Mutantes foi dele. Estavam gravando em estúdios próximos. Rogério Duprat o chamou para ver os rapazes. Gil disse why not? E assim, de maneira natural e não elocubrada, essas partes se juntaram para um momento único. Engraçado, que para gravar "Minha Menina", de Jorge Ben, eles foram buscar o Babulina em seu apartamento. Ele havia prometido uma música. Havia esquecido. No caminho para o estúdio, compôs. Tão natural e tão genial. Que época. Já li tudo sobre os caras. Não vou, aqui, contar porque é longo. Em "Loki" está tudo bem explicado. No show do Barbican, a enorme banda, com teclados e múltiplos instrumentos para dar conta dos arranjos. Rogério Duprat contou que na época, tal qual Paul McCartney para George Martin, eles pediam uma orquestra com um som assim, tipo "Ben Hur". Saiu a introdução de "Dom Quixote". No lugar de Rita, Zélia Duncan. E aqui está a razão desta postagem. São Mutantes, modernos, geniais, mas há algo que nunca muda e é o amor. O amor ou desamor, destruiu os Mutantes. Os humanos. Tão geniais e no entanto vem o amor ou desamor e créu. Os caras em Londres decidiram fazer uma grande exposição sobre a Tropicália. Aí veio a coisa de juntar novamente os Mutantes. Dinho topou. Não tocava bateria há anos. Liminha, não. Rita, também. Zélia havia feito amizade com Sergio. Amiga de Rita, ligou para comunicar, pedir opinião. Vai que é tua. Mas Rita não foi. Tantos anos e ainda está lá a confusão. Sergio diz que Rita é uma coisa em frente às câmeras e outra, fora. Ela argumenta que foi expulsa da banda, pelos irmãos. É verdade. Na época, anos 70, estavam todos fissurados pelo rock progressivo. Eu também. Rita não cabia. Mas é apenas uma boa desculpa. Não a verdadeira. Os Mutantes foram à Europa. Lá, o artista plástico Antonio Peticov os apresentou ao LSD. E aí, tudo o que era fruto da imaginação fértil, ganhou um aditivo. Viajaram demais. Arnaldo, sobretudo. Rita, que somente há pouco, quando virou avó, deixou as drogas. Arnaldo, sensível demais, mola propulsora da banda, casado com Rita, primeira namorada, primeira tudo. Rita internou Arnaldo. Ele se queixa, até hoje. Não era louco. Na quinta internação, ele próprio declara, dia de reveillon, jogou-se do terceiro, quarto andar, sei lá, do hospital, hospício, sei lá. Diz que foi homenagem àquela que o internou pela primeira vez. Vejam só, tantos anos depois, ele ainda diz. Até hoje, o amor não resolvido. Nunca mais se encontraram. Nunca mais. Cinco meses na UTI e quem o salva é uma fã, que a partir daí se torna sua mãe, esposa, amiga e o leva para Juiz de Fora. Volta algumas vezes. Lentamente. E onde estava a família de Arnaldo? Não sei. Sérgio? Não sei. Ele, diversas vezes, em "Loki", explica a imbecilidade de serem tão jovens, não perceberem as alterações, a violência das ações.
Agora, Arnaldo está no centro do palco do Barbican. Sérgio comanda tudo. Ele também, que continua um guitarrista, arranjador e compositor genial, desapareceu. Gravou algumas coisas, mas sem a força de antes. Rita deu certo. Foi na direção do escracho, transformou marchinhas carnavalescas em rock e se deu bem. Eu gosto de muita coisa que ela faz. Mas essa história de amor ainda está no ar. Arnaldo parece feliz. Muito feliz. Declara, nos bastidores do show, que espera que algo muito bom lhe aconteça, naquela noite. É absurdamente comovedor. O som é grande, enorme, poderoso e bom. Zélia faz sua parte, de maneira competente. A banda é ótima. Sérgio é sensacional. Arnaldo, voz fraca, mas segurando a onda, está ótimo. Feliz. Estou maravilhosamente feliz, também, ouvindo, pela primeira vez, os Mutantes tocando ao vivo, todas as músicas da minha adolescência. "Hoje eu vou fugir de casa, vou levando a mala cheia de ilusão". Ou então "Meu peito é de sal de fruta, fervendo num copo d'água". Não há, ainda hoje, nada tão moderno e genial.
Bom, veio o disco novo, com Tomzé participando. Ainda não ouvi. Mas Arnaldo caiu fora. O que terá havido? Estava tão feliz! Será ciúme de sua mãeesposaamiga? Será que Sérgio é o mal? Tão genial, tão amoroso com o irmão, tão elogiado por Zélia? Não sei. O que ficou claro foi que há um caso de amor não resolvido. E isso, nem com os Mutantes, muda. Tão humano, tão romance, tão cruel e lindo. Vida.

3 comentários:

Guta Brandt disse...

Olá!

Primeiramente, achei muito legal suas impressões acerca da Zélia nos Mutantes e de tudo que esteve próximo a esse breve, inusitado e belíssimo retorno...

Porém, gostaria, apenas, de fazer uma correção. O show no Barbican Theatre - Londres, foi gravado ao vivo no dia 22 de maio de 2006, integrante da mostra "Tropicália - A Revolution in Brazilian Culture". O DVD e o CD do show, saíram nas lojas do Brasil no final de 2006.

Um abraço,
Maria Augusta

Edyr Augusto Proença disse...

Obrigado, Maria. Seja bem vinda. Volte sempre. Agradeço pelas correções. Você tem toda razão.
Abraços
Edyr

Edyr Augusto Proença disse...
Este comentário foi removido pelo autor.