segunda-feira, 7 de outubro de 2019

A MELHOR BANDA DO MUNDO

Eu sei que soa pretensioso. Antes do show, ao lado de jovens, percebi olhares pacientes, com o tiozinho empolgado. Algumas horas depois, eles é que pareciam espantados. E eram poucos.
Eu fazia 15 anos e decidia com meu irmão, o que ele poderia comprar para mim como presente. Foi “In the court of Crimson King”, com sua capa gritante até hoje. Um momento de transição. Brian Jones dos Rolling Stones havia morrido. Tchau Beatles. Garotada frequentando conservatórios. A abertura grita com uma guitarra distorcida, iniciando o que seria um heavy rock, antes do heavy rock como estilo. Greg Lake, que em seguida iria para o Emerson, Lake & Palmer em perfeita forma. E lá no meio vem um free jazz de fazer vibrar Miles Davis. Não, o disco não foi para as paradas de sucesso, mas firmou um estilo que passou a ser conhecido como rock progressivo, apresentando a seguir bandas como Yes, Genesis e o próprio ELP, que chegaram a tocar em grandes arenas para 150 a 200 mil pessoas. O King Crimson seguiu sendo a banda preferida dos mais atentos. Já era a melhor banda do mundo, por tudo. E, na verdade, sempre dependeu de uma só pessoa, o guitarrista Robert Fripp, tímido, exigente, no palco limitando-se a tocar de maneira incrível, sem os meneios das grandes estrelas. Para o segundo disco, a maioria dos músicos foi mantida. Daí em diante, mudanças contínuas. Flertes com diversos estilos. Dificuldades em manter a idéia, por conta de pouca afluência de público. Os outros grupos eram mais populares. Dois grandes músicos chegaram bem próximo em participações: o baixista John Wetton, talvez o melhor cantor do KG e o baterista Bill Brufford, que tocou nos primórdios do Yes. Houve uma possibilidade de sucesso com Fripp, Wetton e Brufford fazendo um power trio em “Red”, lançado nos EUA. Não. A banda nos anos 90 tomou direções ainda mais difíceis, examinando riffs, percussão e compassos. Curiosamente, alguns fãs mais jovens, gostam mais dessa fase, mais recente. Tudo parecia caminhar para o encerramento da carreira, quando surgiu um site, um selo, vendendo gravações ao vivo e de repente, Fripp anunciou grande turnê mundial, com a adição de três bateristas, uma novidade. Mel Collins, saxofonista dos primeiros trabalhos foi chamado. Tony Levin, grande baixista, atualmente o âncora também está lá. Daí então, vários discos foram lançados registrando a formação em diversos formatos. Cinquenta anos depois, chegaram ao Brasil. Ao primeiro show, em São Paulo, estive presente. Não podia perder nem me sujeitar ao público bobo do Rock in Rio, onde tocou dois dias depois.

Um mar de cabeças brancas. Todos sentados. No intervalo, banheiros lotados. Tiozinhos precisam urinar. Eles surgem super britânicos, alguns com paletó e gravata. Fripp deixa-se ficar sentado, na ponta do palco, meio encoberto. Os três bateristas dão um show que levanta a plateia. Daí em diante vão mostrando seus hits. Há momentos em que todos cantam, levantam, choram. A música é riquíssima. Os músicos, magníficos. Todos solam e tiram dos instrumentos, o máximo possível, e no entanto, o som é coeso, harmonicamente encaixado. Tony Levin domina seu baixo axe. Mel enlouquece com seus sopros. Um dos bateristas assume o mellotron. Fripp concentrado, perfeito, nas mais intrincadas notas. Casais bem caretinhas, velhinhos, balançam a cabeça como metaleiros. Outros correm até diante do palco, fazem reverência e voltam correndo. “Making easy Money”, gritamos! O vocalista, bom guitarrista, sorri espantado. Do outro lado do mundo que conhecem, encontram esses possíveis aborígenes cantando juntos hits de uma banda quase desconhecida da grande mídia. Ao final, aquela que iniciou tudo, “21st Century Schizoid Man”, cantada a plenos pulmões. Em muitos trechos, todos choramos emocionados. Passam cinquenta anos de nossas vidas em que essas músicas foram tão importantes. Puxamos ar, tentamos cantar o refrão, mas as lágrimas não deixam. Deixa pra lá. Estava liberado chorar. Ao final, após o bis, a plateia recusava-se a sair. Eles não voltaram. Vou ao banheiro. Entra alguém comentando que agora vem aí o Van der Graaf Generator. Conhece? Pois ali, todos conheciam e começam a comentar a possibilidade. Por uma noite, voltamos a ter 15 anos de idade, ouvindo a melhor banda do mundo, tocando seu repertório que guardamos em nossos corações, como tesouros preciosos, essas jóias que nem todos percebem o brilho. E damos graças a Deus por isso.

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