O carnaval não me
desperta a paixão. Talvez seja uma certa melancolia que me domina a maior parte
do tempo. Adolescente, participava de tudo, até mesmo do Bandalheira. Uma
noite, Rosenildo Franco me levou a uma reunião em uma Lavanderia que ficava ao
lado da Mesbla, onde hoje está o Pátio Belém. Eles começavam a reativar o Quem
São Eles. Mas foi meu irmão que participou intensamente. Vai rolar um festival
de samba enredo e eu quero participar. Faz uma letra e o pai faz a música.
“Cobra Norato, Pesadelo Amazônico”. Ganhamos. Virei integrante da ala de
compositores. Logo eu. Estive ainda em mais um enredo, sobre o ilustre
Comendador Raymundo Sobral. O carnaval foi sendo minado por confusões internas,
prefeitos não muito simpáticos e teve uma reanimada com a Aldeia Cabana, de
Edmilson Rodrigues. Ele teve a idéia correta. No começo de tudo, os desfiles
eram no Boulevard Castilhos França. Depois, na Presidente Vargas e ainda, na
Doca. Eram lugares importantes, embora ocupados por classes mais altas,
indiferentes à festa local, preferindo viajar. A falta de Cultura, durante mais
de vinte anos, que estamos vivendo, afastou as pessoas. Os intelectuais,
músicos, escritores, atores, que brilhavam nos desfiles e eram aplaudidos,
reconhecidos, não passam mais, salvo alguns renitentes. Mais uma vez a onda negativa
e política, deixou abandonada a Aldeia, seus projetos e crivou-a de críticas.
Durante o segundo semestre, acho, a turma do carnaval reuniu pontualmente aos
sábados, em uma livraria que também frequento. Tive vontade de ir lá dar uma
idéia, mas sabe, os caras são do ramo, estão preocupados e fiquei intimidado em
dar “pitaco”. Hoje, a maioria das pessoas acha absurdo haver samba em Belém.
Deviam fazer como em Manaus com os “bois”. Aqui é diferente. Os marinheiros que
estavam em terra, durante Momo, a partir da Riachuelo, tocavam samba e foram
formando platéia. Havia os “Boêmios da Campina”, maravilhosos. Criança, não me
deixavam assistir ao desfile, por tarde da noite. Mas via aqueles ternos
vermelhos e brilhantes, as calças e sapatos brancos, maravilhosos. Talvez essa
noite negra que se abateu sobre a Cultura tenha apartado os mais jovens do
samba. Talvez. O Estado ou o Município também não se interessam em receber turistas.
Então, quem é que se interessa pelo carnaval de Belém? O povão. Para essas
pessoas ávidas por uma diversão, o carnaval é grande atração. Deixa o pessoal
da Doca ir pra Salinas, sair em Escola do Rio de Janeiro, enfim. O povão
precisa se divertir. Embora exista a Aldeia Cabana, ouso sugerir o entorno do
Estádio Edgar Proença, o Mangueirão. As partes internas serviriam para oficinas
e construção de carros. Arquibancadas do lado de fora ficariam lotadas por
gente humilde, recebendo a festa da alegria genuína. Assim como o brega e o
tecnobrega se espalham, é preciso começar cedo, pelas mídias alternativas.
Enredos decididos, todos com prazo para apresentar o samba official. E então,
divulgados os concorrentes, vamos para um concurso para decidir quem é o melhor,
com a nota valendo para o desfile. Imaginem o local da festa, lotado com as
torcidas de cada escola. Imaginem o concurso para a melhor sambista, passsista,
rumbeira (que havia no início) , enfim, de cada escola. Isso daria outro
barulho. Mais ainda, cada escola poderia realizer ensaio em espaços próximos ao
Mangueirão, como forma de atrair mais simpatizantes. Isso renderia dinheiro,
grana, para ficarem menos dependents das esmolas do governo. Devo ter outras
idéias que não me ocorrem agora, mas finalizando, penso que os artesãos dos
carros alegóricos precisam ser respeitados. Após o desfile, esses carros são
deixados nas ruas, expostos a chuva e a ação de desocupados que os depredam
impiedosamente. E, no entanto, quem não pôde comparecer ou assistir pela
televisão, pode estar querendo conferir a riqueza e detalhes dos trabalhos. É
preciso levar os carros para um espaço aberto, para que fiquem em exposição até
a quarta feira de cinzas. Será mais uma crônica na direção do “Sonhos, sonhos”
e a música de Lennon, “You may say I’m a dreamer”? Que bom seria se algo assim
fosse acatado e a festa voltasse a ser resplandecente, como já foi, agora com
um público interessado, vibrante e agora, pleno de diversão.
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