sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

ARISTIDES, O SANTO

Lembro de meu pai, um dos maiores contadores de anedotas que vi em ação. É preciso saber dosar as palavras, a pontuação, a melodia sendo o detalhe mais importante. Ser ator, sim, saber mostrar um personagem com mudança no tom da voz, talvez um ou outro movimento do corpo e no ritmo certo, chegar ao final retumbante. Meu pai tinha a mania de dar pequenos tapas ao final, nos ombros daqueles que ouviam a piada. Era um arremate, um chamamento, uma provocação ao riso, que era o aplauso. Eu o assisti, seja em anedotas “familiares”, seja nas mais sujas e impublicáveis, estas, contadas em círculos masculinos, a maioria das vezes nas rodas que se formavam após trabalhar transmitindo alguma partida de futebol. Uma dessas piadas, antiga, tentarei contar. Claro, a voz, os gestos, tudo isso fica faltando. É necessário também não fazer análise crítica sobre os acontecimentos. Procurar nexos, precisões, enfim. Será que vão gostar?

Aristides era um boêmio. Conhecido em todas as boates que percorria durante a semana. Em casa, no entanto, portava-se como um santo. À mulher, compreensiva, queixava-se que tinha o azar de ter agradado ao chefe. Que este o sobrecarregava de obrigações. Tinha serão quase todos os dias. Isso está me acabando, querida, choramingava. Mas certo dia, sabendo que o aniversário da esposa estava chegando, antecipou-se e a convidou para comemorar pegando um cineminha, ou jantar bem cedinho, enfim, querida, é o jeito, porque já fui convocado por este maldito chefe! Tide, eu não quero nada disso. Poxa, há quanto tempo a gente não sai e vai a uma boate, dançar agarradinho, tomar algumas e depois voltar para casa e fazer um amorzinho gostoso? Aristides tentou evitar. Querida, essas boates, hoje, são um antro de marginais, vagabundos e prostitutas perigosas. Eu tenho até medo de me aproximar delas. A gente nunca sabe. Não preferes um jantarzinho gostoso, com aquele prato que tu adoras, ou então um filminho desses românticos? Não, Tide. Dessa vez eu quero ir a uma boate! Mas querida, pode ser perigoso. Você é uma mulher educada, de nível, pode ficar chocada com o que pode ver? E como tu sabes disso, Tide? Trabalhas que nem um cavalo e não te divertes também, não é? Pois eu já decidi. Vamos a uma boate. Se não for assim, também não quero mais nada. Aristides, desesperado, teve de concordar. Pensou em uma casa noturna na qual já não ia há muito tempo. Quem sabe, não seria reconhecido. Os problemas começaram na chegada. O porteiro abriu a porta do taxi, solícito. Aristides, meu querido, há quanto tempo! Pensei que tivesse esquecido da gente! A mulher perguntou o que era aquilo. Respondeu que era alguma confusão. Na porta, o maitre abriu o sorrisão. Aristides, mon ami! Vou te levar pra tua mesa de sempre, reservada! Foram para a mesa. Trago aquele drink famoso que leva teu nome? Apreensivo, Aristides disse que queria apenas uma cerveja. Passou a moça que vende bombons e cigarros. Tidinho, querido, vai me dar aquela gorjeta de sempre, hoje? Fez que não ouviu. A mulher, no entanto, já começava a tufar de raiva. Quando a cantora disse que ia cantar aquele bolero que a gente gosta de ouvir e namorar, ela explodiu. Sacripanta, mentiroso, patife! Todo esse tempo me enrolando com essa história de serão! Tu vinhas era para a farra! E começou a dar bolsadas no Aristides que, cabisbaixo, levantou e se encaminhou em fuga para a porta. Luzes acenderam. E a mulher gritando e batendo. Entraram no primeiro taxi que viram. Rodaram uns dois quarteirões. A mulher batendo e xingando. O motorista freia o carro: Porra Aristides, bota pra fora essa puta maluca e vamos procurar uma melhor! Mais não conto por ser muito traumático...

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