sexta-feira, 22 de julho de 2016

O OUTRO LADO DO MURO

Acabo de ler um livro de título extenso:  “O outro lado do muro – ladrões, humildes, vacilões e bandidões nas prisões paulistas”, de autoria de Silvio Cavalcante e Osvaldo Valente, impresso em 2013 pela gráfica do Diário Oficial do Estado do Pará. Boa impressão, diga-se, embora o papel utilizado para capa seja muito ruim. Não sei onde esteve à venda, mas parece que o adquiri na livraria da Loja Visão. Silvio é o principal protagonista em um período terrível para sua vida. No começo dos anos 90, século passado, estava em São Paulo fazendo um curso de computação, ele que já era formado em Análise de Dados e compraria produtos para uma empresa que levaria adiante com um sócio que ficara em Belém. Hospedado em uma pensão, tal como um irmão que morava em SP, perdera ou tivera a carteira roubada, tendo saído para fazer o tal “BO”. Caminhando pelo centro, sentiu uma fisgada na perna. Tinha sofrido um tiro, não sabia de onde ou quem havia atirado. Procurou uma farmácia, os atendentes pareciam assustados. Chamou dois PMs e pediu socorro. Estes, imediatamente o prenderam como suspeito de um assalto que havia ocorrido instantes atrás, ali perto. Daí em diante, uma via crucis aterrorizante acontece. Ele é levado para um Distrito onde sofre torturas para confessar o que não podia. Consegue falar com um irmão que arranja um advogado sugerido por amigos. Nesse ínterim, é identificado por uma das vítimas do assalto, como participante. Pior, um menor de idade que verdadeiramente estivera no crime, torturado, garantiu que Silvio era cúmplice. Seu argumento que era de Belém e estava na cidade para fazer um curso não convencia ninguém. Pior, sem documentos. Com ferimento na perna e espancado, ele se vê de Distrito em Distrito até ser remetido para a lendária Casa da Detenção, convivendo com a escória humana e todas as pressões que se pode imaginar, durante sete meses, até finalmente ser libertado. Tudo isso é narrado em pouco mais de 400 páginas que calam fundo em quem as lê. A organização interna dos presos, a maneira de proceder, os riscos, ameaças, agressões. É um mundo inteiramente diferente daqui de fora, com regras próprias. Por isso, o subtítulo ladrões, humildes (os que não tinham dinheiro, família e até os que eram inocentes, mas presos), vacilões (haviam cometido erros em suas prisões e eram escravizados pelos outros detentos, inclusive sexualmente) e os bandidões, estes com longas penas, responsáveis pela vida ou morte dos outros. Há também estupradores, os quais, tinham raspados todos os pelos do corpo e eram humilhados diariamente. Uso o verbo no passado porque o presídio foi demolido.

Não entendo do assunto. Como qualquer outra pessoa, quero todos os bandidos presos, mas com a idéia de um plano profissional, técnico, para sua ressocialização, o que é brincadeira, comparado à realidade. Se isso acontece em SP, imaginem em Belém. Silvio, muitas vezes relata o olhar perdido de alguns, amassados pelo stress e falta de porvir dos presos. O comércio interno. A corrupção desenfreada. Os crimes. As desconfianças. Palavras que mal interpretadas significam vida ou morte. Há os que nem pensam em se regenerar. O que fazer com esses assassinos? Não sei. E quanto aos que erram, por motivos humanos, diversos? Impossível retornarem incólumes, física e psicologicamente. Lastimo também que este livro não tenha tido o destaque que merecia ao ser lançado. Apresenta uma discussão excelente sobre o assunto. Sugiro que o procurem. Uma leitura definitivamente impactante.

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