sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

UM ARTISTA BRASILEIRO

Meu herói sempre foi Caetano Veloso, certamente por sua avidez pelo novo, diferente, sons, roupas, idéias. Sempre conheci Chico Buarque. Desde os primeiros movimentos. Mas quando surgiu, era como um novo Noel Rosa, enquanto que Caetano estava na guitarra. À medida em que o tempo foi passando, me dei conta da genialidade de Chico Buarque. Todo esse nariz de cera para dizer que acabei de assistir ao documentário “Chico, artista brasileiro”, de Miguel Faria Jr, lançado em bluray. Há entrevistas, depoimentos, artistas cantando, vídeos antigos. É curioso que os meus heróis tenham estado juntos várias vezes, no show Chico e Caetano, pouco depois de retornar do exílio, em programa da Tv Globo e vários outros momentos. Tão diferentes. Tão iguais.
Mas como não gostar de um cara que joga futebol e tem sempre piadas a contar? Ser seu amigo deve ser maravilhoso. O documentário mostra sua evolução, o terrível momento político, em que foi perseguido, dor que ainda não passou. Deploro os insultos que recebeu, recentemente, no Rio. Ele foi muito prejudicado. “Houve momento em que a pressão foi muito forte. Passei a compor com raiva. Hoje, há músicas que perderam a razão, ficaram sem chão. E também me pergunto se deixei de compor outras, que ficaram perdidas”. Edu Lobo diz que os maiores adversários de Chico, hoje, são seus adversários internos. Ele mesmo confessa demorar mais para compor. Tudo parece já ter sido feito. Toda criação é um risco, diz Edu. Nada mais correto. Chico também diz que sua turma é a música, não a literatura, algo muito solitário. Sei lá. Gosto mais de sua música, mas penso que é um escritor que compõe, tendo em vista sua capacidade de observação, de vestir a alma de outras pessoas, personagens. Estão aí suas músicas que mulheres apostam ter sido feitas com alma feminina. Miucha, Ruy Guerra, Vinícius, Nelson Cavaquinho entre outros, falam dele. Conta de sua timidez em receber de Tom uma música para colocar letra. Foi “Retrato em branco e preto”. E vieram muitas outras. “Às vezes Tom me dava várias e eu ficava ali, sem saber o que escrever”. Em retorno, Tom diz que nem dava tantas, “pra não chatear o cara, né?” Imaginem. Mpb4, Maria Bethania, Caetano e Mônica Salmaso, esta, brilhantemente cantando, são alguns dos números musicais. É muito curioso quando conta do erro da Censura ao liberar o “Apesar de Você” que tomou conta do Brasil. Também engraçado o “Vai Passar”, que compôs para a volta da democracia, e perceber que muitos trechos são perfeitamente atuais para o que vivemos hoje “dormia, a nossa pátria mãe tão distraída, sem perceber que era subtraída, em tenebrosas transações”.

Chico conta de suas crises de composição. Em uma delas, decidiu escrever. Chegou a fazer psicanálise. Outra coisa interessante está em canções que anos mais tarde, percebeu que eram, claramente, reflexo de situações que viveu, mas na época, não teve coragem ou ímpeto de reagir, dizendo o que agora está nas letras. É a coisa do escritor que observa, sente, decifra as pessoas, criando personagens, vestindo outras vidas e a partir daí, pensando exatamente como elas. Acho que Chico, também, envelheceu melhor que meu Caetano. Mas meu amor pelos dois e o que representaram para a minha geração deixam de lado qualquer escolha. Me permitam dizer, ao final, que recentemente, soube que Chico leu “Pssica” e gostou muito. É a gloria.

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