sexta-feira, 28 de novembro de 2014
O PRAZER DE UMA VIDA
Eu
estava em uma das primeiras filas do show de Roger Waters e em “Comfortably
Numb”, lá do alto, um guitarrista executa o famoso solo de David Gilmour. Senti
inveja. Muita. Imaginei a emoção desse músico tocando para aquela multidão, com
o volume o mais alto possível. Senti o mesmo ao assistir Paul McCartney, com
seu guitarrista fazendo o solo de “Maybe I’m Amazed”. Estava chovendo, mas a
plateia se deliciava. Era como um reencontro com toda uma vida, uma série de
sucessos que me levavam à pré adolescência. Impossível resistir às lágrimas,
cantando a plenos pulmões. E ao final, “The End”, enviando o público para casa,
poeticamente. É curioso que ha alguns dias escrevi sobre a renúncia de Robert
Plant em fazer novos shows com o Led Zeppelin, dando desculpas, mas na verdade,
temendo por sua voz, com 70 anos, não atingir os tons altos que o consagraram.
Também posso dizer que não costumo assistir shows desses veteranos, pois a eles
falta o essencial no rock and roll que é a juventude. Mas isso não é assim com
Paul. O verdadeiro Beatle. O que sempre queria a banda tocando ao vivo. Um cara
que se reinventou após a dissolução dos Beatles. Poderia estar em casa,
curtindo os milhões mensais que recebe de direitos autorais, mas está rodando
mundo, se divertindo, fazendo o que mais gosta, cantar, tocar e ouvir os
aplausos. E nos rápidos descansos, gravando discos novos, hoje, claro, sem
repetir os hits de antes, mas imagine Paul McCartney, tentando compor algo
harmonicamente diferente de tudo o que já fez. Ele tem prazer em revisitar os
velhos sucessos. Orgulho. Haveria algum desconforto em cantar, a essa altura da
vida, “And I Love Her”? Nunca. Desta vez, não pude assisti-lo nos shows no
Brasil. Topei com o anúncio do Multishow e vibrei novamente. Uma banda
absurdamente competente, ajustada. Um desfile de músicas, impossível dizer a
melhor. Sim, as mais recentes, muito boas, mas não tanto quanto “All my
loving”, “Back in the USSR”. Ele sai do piano, vai para o baixo Hofner, toca
violão, guitarra, ukulele. A voz está muito boa ainda, mas se vale de técnica
vocal para atingir os agudos. Está bem, digamos que nota sete. As homenagens
são as mesmas, para John, bela, emocionante, marejando os olhos de todos e
“Something”, de George. Está feliz, embora profissional total no show com
marcação espartana. O canal pôs para dizer abobrinhas enquanto aguardava a
transmissão dois jovens, menino e menina. Deveria colocar uns tiozinhos, com
mais cultura Beatle. Deixa pra lá. E então ele toca “Live and Let Die”, grande
momento, com fogos de artifício e explosão de luzes. Mas, no exato momento em
que tudo ia acontecer, um corte abrupto e vemos o comercial de um show ou
programa de uma dupla sertanoja! Nenhum aviso, nenhum desculpa aí, mas o
horário esgotou. Nada. Fim. Finito. C’est fini. The End. Um acinte. É preciso
respeitar os assinantes. Publicaram anúncio de meia página nos jornais do Rio e
São Paulo. Quer dizer que o contrato não permitia transmitir o show inteiro?
Que merda, hein? E estava tudo indo tão bem! Imagem, som razoável e destroem
tudo ao final. Que chato! Em tempo, isso de veteranos tocando não se aplica,
também, aos Rolling Stones, com Mick Jagger, sequinho, tanquinho, se esbaldando
e Keith Richards na guitarra. Cara, esse corte do Multishow me tirou a graça!
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