sexta-feira, 8 de fevereiro de 2019

CELESTE MAGNO CAMARÃO PROENÇA

Uma vez ela foi até a praça da República porque alguns meninos estavam provocando algum confronto. Foi pisando duro, como se para uma batalha. Pronta para defender a ninhada. Nada sério. Talvez nós fossemos realmente muito fechados em nós mesmos. Não deu em nada, claro. Tivemos uma infância maravilhosa. Na maior parte do tempo, éramos apenas quatro. Mais tarde veio a última irmã. Hoje lembrei de minha mãe, Celeste, 97 anos em junho, mas faleceu em 12 de fevereiro. O apartamento no Edifício Renascença era um mundo. Um reino onde tudo era possível. Tínhamos músicas. Meu irmão mais velho compunha paródias para incomodar os demais, com seus apelidos. Comprávamos revistas de bang bang editadas pela Ebal em uma revistaria que ficava no térreo. O mais velho, sempre ele, começou a desenhar suas próprias HQs. É claro que fomos atrás. Uma cômoda que tenho até hoje fazia as  vezes de carruagem que deveria ser assaltada. Ele era sempre Bill, o mocinho, enquanto que a irmã era Maggie. Eu era Brown, o bandido e o menor, curiosamente, foi chamado de Robin Hood. Não sei a razão. E a vida seguia como em um mundo à parte. Um jornal de circulação incerta aparecia, datilografado, contendo fofocas de cada um. Muitas vezes era rasgado em revolta. Sim, eu era o mais danado. Não tinha tempo para nada. Não conseguia concentrar. A cabeça no mundo da lua. Nas noites de réveillon, ouvia os moleques batendo nos postes de ferro. Do meu quarto, deitado, pela janela, uma sombra se projetava sobre o outro prédio e eu achava que era o ano velho indo embora. Eu e o mais velho aprendemos a jogar futebol de botão. Leitores da Revista do Esporte, tínhamos todos os times do Rio de Janeiro, incluindo Campo Grande, Bonsucesso e até Canto do Rio. Tínhamos nossas regras, o mais velho narrava e eu fazia o ponta de gol. A mãe confeccionava traves e a bola de lã. Agora havia as colegas de minha irmã ensaiando hully gully e depois ensinando a dançar junto. As festas começavam e não podíamos perder. Gozado como o mundo de fora vai entrando, o de dentro ficando guardado no coração e a mãe, a criadora de tudo, fica assistindo baterem asas. Ainda dividíamos muitas coisas. Música, principalmente. O pai voltou a cantar e tocar. A mãe aproveitou e também veio. No Mosqueiro, noites e noites, apenas nós, cantando nossas músicas. Cada um precisava cantar uma. Todos tocavam algum instrumento, menos eu. Então fiz uma letra e meu pai musicou. Voltou a compor. E fomos batendo as asas, gozando deste mundo aqui de fora, interessados em tudo, tudo. Moda, música, teatro, artes plásticas, literatura, comportamento. Hoje, dos cinco, somos quatro jornalistas, cada um em seu estilo. Nunca sentimos o peso do nome Proença, que tem significado nesta cidade. Fomos preparados para voar. Vivemos uma Camelot naquele apartamento. Quando estávamos prontos, viemos para o mundo de fora. Em cada um desses momentos, cada um deles, ela está. Celeste, nossa mãe. Se os pais, ao casarem deixaram a vida artística que tinham, antes, para se dedicar ao lar, ela fez de nós sua troupe, para brincar com os sonhos e ensinar a vida. Estava em todas as nossas manifestações. Já adultos, dúvidas do Português, bastava ligar. Era nosso Google. E tudo, para ela, tinha a exuberância de quem sabe que a vida é o grande espetáculo. Fazia gestos, melodiava as palavras. Ouvíamos embevecidos. Sinto sua falta a todo instante, reclamando sua ausência. Minha mãe, minha tudo, amada apaixonadamente, Celeste Magno Camarão Proença.

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