sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

GARRA, MUITA GARRA

Juscelina e a mãe sempre sonharam com aquele concurso de fantasias no carnaval. Mas tudo às escondidas do pai que morria de ciúmes da filha. Soube de um rapaz que indicava candidatas aos clubes. Era chegado o momento. Não podia esperar mais. Tiraram o dinheiro da poupança. Pagou por um book com fotos. “Sem book eu nem começo a trabalhar”, disse o rapaz. Foi aprovada. Uma comissão do clube foi à sua casa, pedir permissão. O pai deu um show no início, mas depois, foi docemente convencido, após a promessa de uma ação de sócio do clube. O namorado foi mais difícil. Preferiu terminar. A mãe adorou. Ele poderia atrapalhar logo no início da sua carreira. Se dá problema agora, imagina mais tarde. O estilista veio com uma fantasia da fada que reinava sobre a Estrada de Ferro Bragantina. Ela protegia os viajantes. “Mas eu nunca ouvi falar que tinha trem em Belém..” Mas tinha. O coreógrafo queria uma estilização entre carimbó e funk. Uma luta. A menina gostava de sertanejo. Agora aprende carimbo. Tu não és daqui? E funk, basta esfregar a bunda no chão. Isso tu sabes muito bem.. O que tu precisas, minha filha, é garra, muita garra! No dia do concurso, no camarim, aguardavam o estilista com a fantasia e os últimos retoques. O tempo foi passando e nada. Celular fora de área. Essa biba me paga! Faltava uma hora! Chegou. Mas espera aí, esse trem com essa maria fumaça vai passar pelas costas de um braço a outro? Vai ser um choque, mana! Os jurados vão enlouquecer. Espera aí, tem de carregar essa bateria pesada, também? Te concentra, pensa nos flashes, pensa no prêmio, jornais, pretendentes cheios de dinheiro e carinho pra ti, mana. E vai! Ligaram a bateria e o trenzinho se movia com luzes piscando. Quando vestiu, deu um gemido profundo. Garra, minha filha, esse é o meu, digo, nosso grande momento! Foi pra isso que eu te criei! Vai lá e arrebenta! Quando a gente voltar com o prêmio vamos pisar na cara daquelas invejosas da rua! Gemendo, pisou na passarela. Tentou voltar. Não. Manteve o sorriso nos lábios, mas os olhos lacrimejavam. Tentava executar a coreografia, mas o peso não permitia. Olhou, buscando socorro para os bastidores, mas lá estava a mãe repetindo Garra! Garra! Então começou a sentir choques. A bateria dava choques. Aquilo a fez dar saltinhos. Poderiam pensar que faria parte da coreografia. A biba, lá dentro, gritava que isso não tinha sido ensaiado. Na plateia, diretores e parentes levantavam estandartes, gritavam pela vitória, enlouquecidos. Olhava os jurados por entre lágrimas. Havia, neles, uma curiosidade, não pela fantasia, mas pelo que poderia acontecer. Algo começou a descer pelas costas. O equilíbrio, frágil. A estrada de ferro, com o trenzinho piscando, descendo uma ladeira rumo ao chão. Por um lado tentava trazer de volta à posição. De outro, pulava a cada choque e chorava de dor. Mas foi à passarela atender ao público. Voltou aos bastidores com tudo desmanchando, após negacear duas vezes uma queda terrível. O pai queria agredir o estilista. A mãe, enfurecida. Pensa que é só chegar e ganhar? Tem de sofrer, tem de ter garra! Tu viste aquela pequena com o Teatro da Paz nas costas? Se ela aguentou, tu aguentas! Volta lá e ganha essa porra! Tira a bateria e as luzes! Mas é o meu resplendor, gritou a biba. Nào deu. Na volta pra asa, o pai dizia que tudo era carta marcada, que a filha merecia ganhar. Sabe de uma coisa, vamos viajar e relaxar em Fortaleza. Silêncio. A mãe olhou para a filha, a filha olhou para a mãe. Choraram mais.

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