Juscelina
e a mãe sempre sonharam com aquele concurso de fantasias no carnaval. Mas tudo
às escondidas do pai que morria de ciúmes da filha. Soube de um rapaz que
indicava candidatas aos clubes. Era chegado o momento. Não podia esperar mais.
Tiraram o dinheiro da poupança. Pagou por um book com fotos. “Sem book eu nem
começo a trabalhar”, disse o rapaz. Foi aprovada. Uma comissão do clube foi à
sua casa, pedir permissão. O pai deu um show no início, mas depois, foi
docemente convencido, após a promessa de uma ação de sócio do clube. O namorado
foi mais difícil. Preferiu terminar. A mãe adorou. Ele poderia atrapalhar logo
no início da sua carreira. Se dá problema agora, imagina mais tarde. O
estilista veio com uma fantasia da fada que reinava sobre a Estrada de Ferro
Bragantina. Ela protegia os viajantes. “Mas eu nunca ouvi falar que tinha trem
em Belém..” Mas tinha. O coreógrafo queria uma estilização entre carimbó e
funk. Uma luta. A menina gostava de sertanejo. Agora aprende carimbo. Tu não és
daqui? E funk, basta esfregar a bunda no chão. Isso tu sabes muito bem.. O que
tu precisas, minha filha, é garra, muita garra! No dia do concurso, no camarim,
aguardavam o estilista com a fantasia e os últimos retoques. O tempo foi
passando e nada. Celular fora de área. Essa biba me paga! Faltava uma hora!
Chegou. Mas espera aí, esse trem com essa maria fumaça vai passar pelas costas
de um braço a outro? Vai ser um choque, mana! Os jurados vão enlouquecer.
Espera aí, tem de carregar essa bateria pesada, também? Te concentra, pensa nos
flashes, pensa no prêmio, jornais, pretendentes cheios de dinheiro e carinho
pra ti, mana. E vai! Ligaram a bateria e o trenzinho se movia com luzes
piscando. Quando vestiu, deu um gemido profundo. Garra, minha filha, esse é o
meu, digo, nosso grande momento! Foi pra isso que eu te criei! Vai lá e
arrebenta! Quando a gente voltar com o prêmio vamos pisar na cara daquelas
invejosas da rua! Gemendo, pisou na passarela. Tentou voltar. Não. Manteve o
sorriso nos lábios, mas os olhos lacrimejavam. Tentava executar a coreografia,
mas o peso não permitia. Olhou, buscando socorro para os bastidores, mas lá
estava a mãe repetindo Garra! Garra! Então começou a sentir choques. A bateria
dava choques. Aquilo a fez dar saltinhos. Poderiam pensar que faria parte da
coreografia. A biba, lá dentro, gritava que isso não tinha sido ensaiado. Na
plateia, diretores e parentes levantavam estandartes, gritavam pela vitória,
enlouquecidos. Olhava os jurados por entre lágrimas. Havia, neles, uma curiosidade,
não pela fantasia, mas pelo que poderia acontecer. Algo começou a descer pelas
costas. O equilíbrio, frágil. A estrada de ferro, com o trenzinho piscando,
descendo uma ladeira rumo ao chão. Por um lado tentava trazer de volta à
posição. De outro, pulava a cada choque e chorava de dor. Mas foi à passarela
atender ao público. Voltou aos bastidores com tudo desmanchando, após negacear
duas vezes uma queda terrível. O pai queria agredir o estilista. A mãe,
enfurecida. Pensa que é só chegar e ganhar? Tem de sofrer, tem de ter garra! Tu
viste aquela pequena com o Teatro da Paz nas costas? Se ela aguentou, tu
aguentas! Volta lá e ganha essa porra! Tira a bateria e as luzes! Mas é o meu
resplendor, gritou a biba. Nào deu. Na volta pra asa, o pai dizia que tudo era
carta marcada, que a filha merecia ganhar. Sabe de uma coisa, vamos viajar e
relaxar em Fortaleza. Silêncio. A mãe olhou para a filha, a filha olhou para a
mãe. Choraram mais.
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