Leio
no Estadão que Gilberto Gil vai lançar uma caixa contendo três gravações de
shows que realizou no começo dos anos 70, pouco depois de retornar do exílio na
Inglaterra, para onde foi “delicacamente” enviado pelos militares, no poder,
naquele tempo. No primeiro deles, Gil vem de guitarra elétrica em punho, um
band leader, cantando “Back in Bahia”. Ao contrário de Caetano Veloso, dedicado
ao violão, Gil gravou em inglês um álbum já com a guitarra e seguia o caminho.
Um grande momento. Meu herói de geração foi Caetano Veloso. Me identificava com
suas ações, cabelo grande, roupas coloridas e influencias musicais. Mas, sem
dúvida, Gil, além de ser ótimo, com uma voz maleável e perfeita, violão
certeiro, letras e músicas, foi mais atuante, sem dúvida. Mesmo nos primeiros
discos, antes da Tropicália, era Gil que arrebentava com “Roda”, que dizia “não
é obrigado a me ouvir, quem não quiser escutar”. Assumia posições. “Domingo no
Parque” era super incisiva, misturando guitarras, orquestrações sensacionais de
Rogério Duprat e viola. E no disco seguinte, havia “Coragem pra suportar” e,
principalmente, “Marginália 2”, esta, um primor de colagem, frases
emblemáticas, melodia e arranjo. No disco do movimento, lá estava Gil em
“Geléia Geral”, o grande hino. No movimento da “abertura política”, gravou a
versão de “No Woman no Cry”, cantada por todos. Eu me lembro de alguns shows
aqui em Belém. Lembro do “Momento 68”, maravilhoso happening, no Teatro da Paz,
misturando moda, teatro e música, patrocinado pela indústria Rhodia. Em outro
momento, bem ensaiado, Gil coçava a cabeça, ensejando algum comentário racista,
como se um macaco. Bingo, alguém se manifestava e ele abria o discurso,
pertinente toda a vida. Mas, tenho certeza, a delícia de Gil é cantar. Sua voz
se moldando a qualquer tipo de ritmo e harmonia. Alongava-se em improvisos.
Chamava a platéia a participar. Agora estão festejando 40 anos de “Refavela”
onde mergulhou ainda mais na cultura negra, provocado por uma viagem à Angola.
E depois veio “Refazenda”, que reputo, um de seus melhores momentos. Foi antes
ou depois dos “Doces Bárbaros”? E a prisão por porte de maconha? Ele se
mostrou, se apresentou, desafiou com argumentos, antenado com a mudança dos
costumes. Ali nos anos 80, voltou à guitarra, ao bandleader e houve “Palco”,
“Realce”, “Toda Menina Baiana”, e várias outras. E adiante, “Nos Barracos da
Cidade”, “O Eterno Deus Mudança”, “Extra”, sempre à frente de tudo, botando a
cara pra bater. Chegou a internet e ele fez o “Parabolicamará”. A experiência
política, veio junto com problemas na garganta. Adiante, nos rins. No começo do
ano que vem, mostra disco novo. De verdade, e talvez seja absurdo cobrar tanto,
caiu um tanto a potencia de sua produção musical. Exigentes, cruéis, ouvimos seus
novos trabalhos querendo a genialidade de sempre. Nos decepcionamos com a voz
rouca, sem grande alcance, não mais as evoluções vocais deslumbrantes, o grande
e orgulhoso vocalmente Gilberto Passos Gil Moreira. Seu par, Caetano, apesar de
manter a performance vocal excelente, também caiu em sua produção autoral.
Estão lá pelos 75 anos! E ainda exigimos a mesma genialidade, jovialidade e
agressividade de antes! Crueis, somos todos. Admito, sou cruel. Hoje, ao ler a
notícia no Estadão, fui ouvir “Domingo no Parque”, “Back in Bahia”, “Chuckberry
fields forever”, “Extra” e outras tantas maravilhas que ele compôs e gravou,
para o país inteiro ouvir, dançar e cantar. Aos mais jovens, sob todo o risco
de um tiroteio em favor das músicas atuais, minhas desculpas, mas a turma dos
anos 60 e 70 foi demais. Ainda está muito difícil chegar perto.
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