sexta-feira, 27 de outubro de 2017

NOS OLHOS, A LIBERDADE

Há alguns meses, a convite da professora Olga Silva, estive no prédio da Defensoria Pública para o lançamento do Projeto de Remição de Pena pela Leitura, uma parceria entre a Seduc, Defensoria Pública e Susipe. Fiquei fascinado. Lá mesmo, um coral formado por internas se apresentou. Doei alguns livros e também convidei meu amigo Salomão Laredo a fazê-lo. 
Acredito no poder da leitura. Ela está na base da minha formação e tudo aquilo que conquistei. Um dos problemas mais sérios do nosso país - talvez o mais sério - é a falta de Educação, que faz com que várias gerações não se expressem corretamente, não consigam escrever sequer um bilhete e pior: não tenham capacidade de reflexão sobre seus problemas. Com isso, não conseguem bons postos de trabalho e, sem atividades, acabam, no pior caso, cometendo crimes. 
Na sexta-feira passada, eu e Salomão, convidados, participamos, no Centro de Recuperação Feminino, do “1o Sarau Literário Flores, Sabores e Belezas do Meu Jardim”, onde fomos homenageados e nos emocionamos com tudo o que foi apresentado. O local é um belo jardim, com direito a lago para criação de peixes ornamentais, certamente onde as detentas podem “respirar” um ambiente diferente das celas que ocupam. 
O projeto Remição de Pena pela Leitura garante a redução de quatro dias da pena por livro que for lido e feito resumo. Há outras iniciativas culturais como coral e balé, educação e panificação, por exemplo. A programação constou de apresentação do coral, seguido por balé, tendo como tema “Fênix” e, finalmente, uma entrevista, contato direto com as internas. 
O primeiro detalhe que me impressionou foi na dança, realizada em um pedaço do jardim da melhor maneira possível, com plantas sendo pequenos obstáculos. A solista tinha nos olhos a Liberdade. Imagine-se, por um dia, horas que sejam, privada de sua liberdade, obrigada a conviver com outras pessoas que nunca viu. Deixar aqui fora filhos, mães, famílias e até companheiros - estes, infelizmente, em minoria. De mais de 500 detentas, apenas estão cadastrados uns 20 homens que fazem visita regularmente. Que pena! 
A Cultura tudo pode. Ali, naquele palco improvisado, no belo jardim, driblando plantas, ela tinha em seus olhos a Liberdade. Assim como na Leitura ou no Canto. Quando estamos lendo, nossa mente vagueia, habita outros mundos, outras realidades, como um longo voo feliz e livre, absolutamente livre. 
Outro detalhe que me impressionou muito foi o português correto empregado pelas detentas. Muitas vezes elas se expressaram de improviso e o que ouvimos foi o emprego correto das palavras, o que hoje raramente ocorre aqui fora. É claro que no dia a dia há muita tensão. Há a TPM das moças, quase todas com idades entre 18 e 22 anos, quase todas deixando os filhos lá fora, quase todas presas por tráfico. É o que lhes resta aqui fora, sem Educação, sem porvir, sem trabalho e o dinheiro do tráfico, parecendo fácil, dando sopa. 
Para encerrar, apresentaram uma enorme colcha de retalhos. Cada uma apontou o seu retalho ali costurado e sua significação. E ainda houve roda de carimbó e degustação de pães fabricados internamente. Curioso, apesar de ser partícipe do projeto, a Seduc mandou apenas uma representante, a professora Idajane Monteverde. A Superintendência do Sistema Penal e a Defensoria Pública estavam presentes. 
Como resultado, saibam que é muito pequeno o percentual de mulheres que retorna ao presídio. O que a Cultura não faz? O projeto está presente em outros presídios masculinos. Se você se interessar, procure a Seduc e doe livros. A ideia é muito boa.

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