sexta-feira, 7 de abril de 2017

QWERTY

Eu ia emburrado para o curso de datilografia. Minha mãe me matriculara, prevendo (talvez) meu futuro como jornalista. Foi uma das melhores ações em relação a mim. Também aprendi inglês a partir dos oito anos. As pretinhas, como chamava as teclas o grande Millor Fernandes, fazem parte da minha vida. Tenho até uma mania. Ao ouvir determinadas palavras que me interessam, as escrevo com os dedos tocando a palma das mãos. Tique nervoso, sei lá. Meu pai tinha uma portátil, Royal, belíssima. Minha primeira máquina, penso que era uma de trabalho, negra, difícil de domar. Depois, quando comecei a trabalhar em rádio, era mais moderna, estrutura em plástico, onde desenvolvi a habilidade usando todos os dedos. Lembro, redigindo o jornal Zeppelin, da velocidade que alcançava. Houve a breve experiência com uma Facit, elétrica, mas que constantemente dava problemas em imprimir o texto. Já era o tempo da fita de correção. Mas ainda não era o fim do revisor de texto. Antes, riscávamos o erro, acrescentávamos às laudas, comentários paralelos, enfim, um borrão. Então vieram as máquinas elétricas com esfera redonda. Eram uma delícia de escrever. Lembro do meu irmão Edgar e de meu pai Edyr escrevendo. O primeiro fez curso de datilografia, mas meu pai, velocíssimo, usava apenas dois dedos de cada mão, um pouquinho do que hoje é feito pela maioria, nos computadores. Então os PCs invadiram nossas vidas. Millor reclamava do silêncio que agora havia nas redações, antes tão barulhentas, com as máquinas manuais. O Jornal do Brasil lançou um manual. Millor escreveu mais. Da vergonha de uma máquina nos corrigir a cada vez que cometêssemos um erro. Naquele silêncio, ao ouvir o som, todos na redação olhavam e ele ficava humilhado. Maldita máquina. Então me entregaram um computador e o programa Carta Certa, ancestral do Word. Preguei acima da máquina, a sequencia de botões necessárias para liga-lo. Havia também AltControlDel. Era tudo muito difícil, diferente, o que hoje qualquer criança faz. A leveza do toque, em comparação à violência das manuais. Outro mundo. Vieram os notebooks, os padrões diferentes e hoje não conseguimos viver sem um teclado, seja no relógio, celular, iPad e outros. Ao contrário de mim, os jovens usam os dois polegares para teclar no celular, mais rapidamente. Sou da geração do dedo indicador. E não é que acabo de ter uma grande surpresa? Algo que nunca pensei que existisse. Estive na França e pensei em comprar um novo notebook, com mais possibilidades. Em Toulouse, tarde de folga, circulei pelo centro da cidade, tão bela. Dou de cara com uma revendedora da máquina pretendida. Havia um ainda mais moderno. O rapaz cheio de orgulho, me explicando. Comprei. Feliz, ansioso, retornei ao hotel para usar a novidade. Os primeiros toques, ensinando a máquina a seu jeito, são com teclas indicadoras. Finalmente, tentei escrever. Havia algo errado. As teclas fora de lugar. Como assim? Com defeito? No preço que paguei? Voltei correndo. Todos ficaram loucos. Haviam errado. Não me disseram. Na França, ao contrário de quase todo o mundo ocidental, a posição das teclas é AZERTY e não QWERTY, como sempre trabalhei. Pena, para conseguir um como queria, somente fazendo encomenda. Não havia tempo. Devolvi o notebook. Pensamos às vezes saber de tudo, mas não. Há sempre o que aprender no mundo. QWERTY e não AZERTY.

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