sexta-feira, 21 de abril de 2017

OS ESPECIALISTAS

Costumo ler os artigos escritos pelo jornalista Helio Schwartsman na “Folha de São Paulo”. Um desses dias, escreveu sobre um livro chamado “The Death of Expertise”, de Tom Nichols, que trata de um assunto que muito me interessou. Lembrei de um amigo jovem, que após passar um desses feriados prolongados ouvindo a discografia do King Crimson, começou a discorrer sobre a banda. O KG é um conjunto de rock progressivo que brilhou na década de 1970, sendo considerado por alguns, como eu, a melhor banda de todos os tempos. Não se trata de ciúme, como se meu jovem amigo quisesse me tirar a expertise, porque foi ao iTunes, baixou a discografia e agora já sabe tudo. É que, por mais conhecimento que possa passar a internet, há outras coisas que penso importantes, na construção do conhecimento. 
O livro de Tom Nichols é exatamente sobre isso. Meu cachorro está doente. Vou ao Google, pesquiso e quando chego no médico, passo a discutir com ele os sintomas e melhor tratamento. A internet seria a morte da especialização? 
 Há pouco tempo esteve em Belém ministrando uma oficina um diretor de teatro russo. Em uma entrevista, disse que em pouco tempo, as universidades fecharão as portas. Tudo estará no Google, na internet. Quem quiser saber, que estude. Frases como essa me fazem pensar. De início, parece ter muita razão, mas, após refletir, penso que esse conhecimento não é algo que possa ser, digamos, injetado em alguém em cursos de final de semana, ou em ampolas, sei lá. O conhecimento não vem apenas dessa informação, publicada e passada por outros. 
O ser humano está sempre em progresso, principalmente quando jovem. Volto ao meu pobre exemplo, sobre a banda King Crimson. Era adolescente. Tempo do vinil. Há o tempo de ouvir, descobrir, ouvir novamente várias vezes. A vida que segue correndo. Os acontecimentos. O mundo à volta. A música maturando. E no ano seguinte, vem outro disco. Notamos o desenvolvimento, novos integrantes, outros sons. E assim por diante. E a Medicina, por exemplo? Como ser expert sem experiência dentro de consultório ou sala de operação? O conhecimento teórico está lá e certamente, em vídeos, quem sabe, projeções holográficas, o acompanhamento de operações. Mas será a mesma coisa que estar ali, verdadeiramente, tocando no paciente e, depois, maturando sobre o que aconteceu, recapitulando mentalmente, desenvolvendo sua expertise aos poucos? 
Vi recentemente o filme sobre Elis Regina. Tinha a voz, mas nada mais sabia sobre o palco. O fantástico Lennie Dale a ajudou, mas diria que, anos depois, já casada com César Camargo Mariano, é que surgiu a verdadeira maior cantora do Brasil. A que sabia o que dizia a letra e a interpretava, mistura de técnica e emoção, domínio absoluto do palco. Aos poucos. A vida passando paralela com todos os seus acontecimentos. 
Então você aprende na internet a cantar como Elis? A operar como um experiente neurocirurgião e tantas outras profissões? Sim, é um perigo que atravessamos no momento, esse momento que hoje muda a cada instante, proporcionando novidades, novas perguntas que precisamos saber responder. E como evitar que alguém, realmente curioso, vá à internet informar-se sobre tudo? Meu outro amigo tem oito anos de idade e pergunta tudo ao Google. O que é estupro? A máquina responde. O futuro chegou e já passou. Precisamos responder a essas questões. Informação nunca é demais, é verdade, mas o tempo de maturação da informação ainda é importante?

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