sexta-feira, 28 de outubro de 2016

POBRE GAROTINHA

Janis Joplin e Jimi Hendrix surgiram na minha vida no momento exato. Teria meus quinze, dezesseis anos, o mundo lá fora estava mudando, aqui no Brasil havia uma ditadura e o que eu queria, mesmo, era estar pronto, provar de tudo, a experiência de viver. Quando ouvi “Cheap Thrills”, pirei. A capa de Robert Crumb. Eu não sabia quem era, mas me conectei imediatamente. Até então, tudo de bom estava na Inglaterra e no entanto, Big Brother and the Holding Company era da cena de San Francisco. “Combination of the Two” abre o disco e rompe com o escudo de qualquer um. E lá vem “Summertime”, agora uma nova canção. A voz oscilando entre terna e agressiva, interpretando os versos, dando novos significados. E há também “Turtle Blues”, “Ball and Chain”, clássicos imediatos. Janis e Jimi me ensinaram o sentimento do blues. Eu, paraense, branco, jovem, louco para conhecer as novidades e tendo de descobri-las em raras notas que chegavam via radiofoto. As harmonias, as nuances, solos de guitarra ou vocalizes. Notícias, críticas. Penso nessas pessoas que parecem trazer dentro de si uma tristeza que nunca passa. Já nasceram assim? Janis tinha família, irmãos, todos certinhos, em Port Arthur, Texas. Era diferente. Como diria Sandra Perlin, esquisita. Por isso, sofria bullying na escola. Apelidavam, jogavam coisas. Não foi convidada para a festa de formatura. Achavam-na feia, desbocada, gorda. Ela olhava no espelho e queria ser magra, bonita, como as modelos. Quando frequentou a universidade, o jornalzinho da turma a escolheu como “o homem mais feio do ano”. Chorou. Deu o fora. Em San Francisco encontrou outros “esquisitos”. Cantou folk songs, descobriu a voz. Os caras do Big Brother a convidaram para cantar. Já rolavam drogas. Era uma época de experimentação. Houve o Monterrey Festival, que revelou Jimi. Janis. Todos boquiabertos. Vieram as viagens, o sucesso. A banda era fraca, quase amadora, não aguentou. Os agentes, a gravadora. “Cheap Thrills” já saiu pela Columbia. Formou outro grupo, mas não funcionou. Cantou em Woodstock, chapada. Tirou férias. Veio para o Brasil. Enamorou-se, finalmente. Pra valer. Outro americano. Viviam juntos. Serguei? Não. O amor não suportou à heroína. A tristeza, esse sentimento que sempre esteve no fundo, emergiu. Cantava e mandava mensagens para esse amor. Formou a Full Tilt Boogie Band. Gravava disco novo. Estava limpa. O telegrama do cara, que estava em Katmandu, chegou tarde. Talvez ela tenha tentado apenas dar um tapa simples, coisa rápida. Que pena. Mais uma que foi embora aos 27 anos. Ao contrário de Jimi Hendrix, que até hoje tem lançado discos, mantendo a lenda, Janis, com o tempo, ficou quase esquecida. Esse documentário “Poor Little Girl”, que passou em circuito alternativo aqui em Belém, foi para mim a possibilidade de reavaliar meu amor por ela, sentir, nos takes obtidos em shows, inclusive Monterrey e Woodstock, o ambiente dos anos 60, a extrema liberdade e ousadia dos jovens, em contraste com essa cena de hoje em que parecem preferir mais ser plateia do que estar no palco. Para mim, as duas melhores músicas que ela gravou são “Turtle Blues”, do “Cheap Thrills” e “Maybe”, do disco “Kosmic Blues”. Jimi e Janis foram dois furacões na mente de um garoto em uma cidade ao norte do Brasil, América do Sul. Até hoje, essa febre não passou.

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