Janis Joplin e Jimi Hendrix
surgiram na minha vida no momento exato. Teria meus quinze, dezesseis anos, o
mundo lá fora estava mudando, aqui no Brasil havia uma ditadura e o que eu
queria, mesmo, era estar pronto, provar de tudo, a experiência de viver. Quando
ouvi “Cheap Thrills”, pirei. A capa de Robert Crumb. Eu não sabia quem era, mas
me conectei imediatamente. Até então, tudo de bom estava na Inglaterra e no
entanto, Big Brother and the Holding Company era da cena de San Francisco.
“Combination of the Two” abre o disco e rompe com o escudo de qualquer um. E lá
vem “Summertime”, agora uma nova canção. A voz oscilando entre terna e
agressiva, interpretando os versos, dando novos significados. E há também
“Turtle Blues”, “Ball and Chain”, clássicos imediatos. Janis e Jimi me
ensinaram o sentimento do blues. Eu, paraense, branco, jovem, louco para
conhecer as novidades e tendo de descobri-las em raras notas que chegavam via
radiofoto. As harmonias, as nuances, solos de guitarra ou vocalizes. Notícias,
críticas. Penso nessas pessoas que parecem trazer dentro de si uma tristeza que
nunca passa. Já nasceram assim? Janis tinha família, irmãos, todos certinhos,
em Port Arthur, Texas. Era diferente. Como diria Sandra Perlin, esquisita. Por
isso, sofria bullying na escola. Apelidavam, jogavam coisas. Não foi convidada
para a festa de formatura. Achavam-na feia, desbocada, gorda. Ela olhava no
espelho e queria ser magra, bonita, como as modelos. Quando frequentou a
universidade, o jornalzinho da turma a escolheu como “o homem mais feio do
ano”. Chorou. Deu o fora. Em San Francisco encontrou outros “esquisitos”.
Cantou folk songs, descobriu a voz. Os caras do Big Brother a convidaram para
cantar. Já rolavam drogas. Era uma época de experimentação. Houve o Monterrey
Festival, que revelou Jimi. Janis. Todos boquiabertos. Vieram as viagens, o
sucesso. A banda era fraca, quase amadora, não aguentou. Os agentes, a
gravadora. “Cheap Thrills” já saiu pela Columbia. Formou outro grupo, mas não
funcionou. Cantou em Woodstock, chapada. Tirou férias. Veio para o Brasil.
Enamorou-se, finalmente. Pra valer. Outro americano. Viviam juntos. Serguei? Não.
O amor não suportou à heroína. A tristeza, esse sentimento que sempre esteve no
fundo, emergiu. Cantava e mandava mensagens para esse amor. Formou a Full Tilt
Boogie Band. Gravava disco novo. Estava limpa. O telegrama do cara, que estava
em Katmandu, chegou tarde. Talvez ela tenha tentado apenas dar um tapa simples,
coisa rápida. Que pena. Mais uma que foi embora aos 27 anos. Ao contrário de
Jimi Hendrix, que até hoje tem lançado discos, mantendo a lenda, Janis, com o
tempo, ficou quase esquecida. Esse documentário “Poor Little Girl”, que passou
em circuito alternativo aqui em Belém, foi para mim a possibilidade de
reavaliar meu amor por ela, sentir, nos takes obtidos em shows, inclusive
Monterrey e Woodstock, o ambiente dos anos 60, a extrema liberdade e ousadia
dos jovens, em contraste com essa cena de hoje em que parecem preferir mais ser
plateia do que estar no palco. Para mim, as duas melhores músicas que ela
gravou são “Turtle Blues”, do “Cheap Thrills” e “Maybe”, do disco “Kosmic
Blues”. Jimi e Janis foram dois furacões na mente de um garoto em uma cidade ao
norte do Brasil, América do Sul. Até hoje, essa febre não passou.
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