quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Enfarruscado

Hoje está meio enfarruscado, o tempo. Não pude evitar. Senti como se fossem os últimos dias de novembro, já entrando dezembro. Eu e meus irmãos de férias. Não há melhor sensação do que acordar mais tarde, se espreguiçar e levar alguns minutos pensando no que fará neste dia. Nada! Maravilha, nada! Lembro quando subia a São Jerônimo, em direção à casa de meu saudoso amigo Abílio Cruz. A programação? O que ocorrer. Podíamos jogar futebol, no quintal da casa ou no Colégio Nazaré. Podíamos sair pelas ruas, jogando peteca, passeando de bicicleta. Delícia. Podíamos, eu e meu irmão Edgar, dar sequência ao nosso campeonato de botão, com direito a narração e tudo. Tínhamos equipes do Rio e São Paulo. Meu amigo Sérgio Zumero tinha o Remo, com o centro avante diferenciado, sua própria foto! Mas assim, não pode! Era na base do bate vai levando. Nossa mãe confeccionava uma bolan de lã, filó para as redes, era ótimo. Ou então, ficávamos jogados no que chamávamos "salão" do apartamento, ouvindo Beatles. Sim, tempo enfarruscado, para mim, é ouvir Beatles. "One, two, three, four.. let me tell you how it will be", as primeiras palavras de "Taxman", no disco "Revolver". Os Beatles ficavam adultos, começavam o disco esculhambando o Imposto de Renda. Não entendíamos inteiramente, apenas gostávamos do que ouvíamos. E o disco em sequência, os caras imitando Bob Dylan em "You've got to hide your love away". Ou então contando que o Dr. Robert ensinou-os a gostar de LSD, o que fica muito interessante na última faixa, onde inventaram o looping em "Tomorrow never knows". Ficávamos ali, ouvindo, cantando, arengando uns com os outros e o dia passava veloz, divertido, inesquecível. Agora vocês imaginam cinco irmãos juntos, quase o dia inteiro, conversando, ouvindo música, se alimentando de vida, curtindo as férias. Quando me perguntam de onde vem minha veia de escritor, sempre falo da família, pai, mãe, avô, tia e nem sempre cito meu irmão mais velho, Edgar Augusto. Penso que ele foi uma das figuras mais importantes, como um holofote que vai à frente, iluminando tudo. Com ele ouvi Beatles e todo o resto. Líamos Nelson Rodrigues com devoção. Havia jornais internos, histórias em quadrinhos, paródias de sucesso com provocações internas. Ou então cowboy, onde ele era o mocinho, Bill, eu e Janjo os malfeitores, Brown e Robin Hood (valia tudo) e minha irmã Celina era Maggie, a dona do saloon. Em tudo ele estava à frente. Quando amadureceu, foi em outra direção e eu como que prossegui com o que havia me ensinado. Os tempos mudam, a garotada, hoje, deve ter suas predileções de diversão. Mas toda vez que o tempo fica enfarruscado, lembro daqueles dias, de férias, jogado, ouvindo Beatles. Era muito bom.

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