sexta-feira, 27 de julho de 2012

As pretinhas

Quando meu pai escrevia à mão, sua letra era incompreensível. Não entendia a razão. Hoje, minha letra também é, até para mim, às vezes, embora o conjunto seja interessante. O pai escrevia muito rápido na máquina de datilografar. Usava apenas dois dedos de cada mão. Minha mãe me matriculou em uma escola de datilografia. Garoto, reclamei muito. Hoje, como eu agradeço! Escrevo com todos os dedos em velocidade no mínimo igual à de meu pai. Compreendo a razão para a escrita à mão ser quase incompreensível. O costume de datilografar. Com a velocidade, o pensamento quase segue junto. À mão, perdemos a paciência. Chego até a sentir alguma dor no dorso da mão se escrevo mais longamente. Mais que as indumentárias e outros detalhes da exposição sobre a Televisão que está no Boulevard Shopping, fiquei atento às máquinas de datilografar. Saudoso. No programa do Jô alguém disse que elas, máquinas, explicando a um garoto, são notebooks onde escrevemos e a impressão sai na mesma hora. Meu pai teve uma Royal linda, portátil. Trabalhei muito com Olivettis manuais. Muitas vezes, travei as teclas na velocidade de meu trabalho, pura vaidade. Quando escrevia o Zeppelin, espancava as teclas, compondo vinte páginas tablóide, semanais, matraqueando sem parar e com esmero. Depois vieram as máquinas elétricas, aquelas com esfera, que adorava, também, travar, com a velocidade superior à sua. Aí já podíamos escolher a fonte de nossos escritos e a minha, simples, era Courier New. A Olivetti veio com outra elétrica, mais moderna, sem esfera e de repente, chegaram os computadores. Eu trabalhava no Centur e meu computador tinha o programa Carta Certa, ou seja, eu o usava como uma máquina de datilografar, apenas. Escrevia em papel as teclas a serem apertadas para ligar e desligar. Uma vez, travou. Liguei para meu chefe, que sabia tudo de computação e perguntei o que fazer: dá um boot! O que é boot? Porra, Edyr, é Alt Control Del. Ah, bom. Comprei meu primeiro notebook de um judeu em New York que me pensou me enganar, pois a marca era muito fraca. Pensou em enganar, porque o notebook funcionou muito bem, por muito tempo. Corri, tremendo, para o hotel. Abri a caixa, liguei na parede e surge DOS. Precisava instalar programas para usar. Puxa vida, ficou para quando chegasse a Belém. Outro amigo, grande advogado, não gostava de internet. Não tinha paciência em aguardar o download por conta das linhas telefônicas da época. Quero ler o G1, teclava e ia tomar um copo d'água, fazer um lanche. De um dia para o outro, passamos a escrever nossas colunas de jornal direto, na tela, no espaço que nos cabia. Como assim? Difícil entender. Escrevíamos, antes, em laudas que eram entregues, copideskadas, longo trajeto até as impressoras. O Jornal do Brasil publicou um livrinho com instruções sobre o uso de computadores. Millor Fernandes dizia não se acostumar sem as suas pretinhas.. Nem eu, nem eu. 
Hoje, cercado por notebook, Ipad, Iphone, desktop e agora as televisões obedecendo ordens vocais ou gestos, penso como passou rápido isso tudo. Penso na minha capacidade em aprender e a curiosidade em esperar sempre mais. Minha escrita à mão deteriorou por conta dessa rapidez. Meu pai também tinha. Com mais de 70 anos, comprou seu primeiro computador. Não tinha muita paciência, mas queria aprender. E agora minha fonte é Letter Gothic BT.

Um comentário:

ILIKE CHOPIN disse...

Que relato gostoso. Viajei e compartilhei de alguns dos trechos, de situações citados em seu texto.
Sei que não está descrevendo-os pra emocionar, mas estou e, muito.
Seu pai foi ou é um homem extraordinariamente letrado. Um obstinado.E o filho seguiu o mesmo caminho. Quem sai aos seus não se degenera.