Alguém postou no facebook uma
foto do edifício da Booth Line, que ficava na subida da Presidente Vargas e foi
demolido para a construção de um monstrengo moderno. Além da mundialmente
famosa empresa de navegação, também era residência e consulado da Inglaterra.
Eu aprendia inglês com a filha de Mr. Kup. Em noite de festas, ela foi
apresentar o aluno ao pai. How do you do, ele perguntou e eu, encabulado,
respondi “ainda não dei isso”. Desmoralizante. A Presidente Vargas. Meu avô
Edgar dizia que a cidade se resumia a ela. “Além do Pinto da Silva, para mim,
já é outro município”. A Praça da República foi playground meu e de meus
irmãos. Brincávamos de cowboy, desfilando com nossas armas e espoletas,
bicicletas, jogávamos cemitério, meninos contra meninas. As compras eram feitas
no Vesúvio, com “Seu” Pereira, sempre com um lápis apoiado em uma das orelhas.
Ao lado, o “Salão Avenida”, com seus espelhos e cadeiras metálicas, lindas, os
barbeiros bigodudos, afiando as navalhas e nós, aborrecidos porque preferíamos
cabelos longos. Os navios apitavam no porto e minha mãe dizia que era o “navio
dos cabeludos”, para assustar. Devia ser uma tripulação e tanto! Acabei dando o
título ao meu primeiro livro. A sirene da Folha do Norte também apitava.
Cheguei a brincar por entre as mesas da terrace do Grande Hotel. Onde é o
edifício do Basa e antes fora um famoso café, agora havia uma imensa cratera.
Que mania essa de derrubar tudo! No cruzamento em frente do meu prédio, havia a
propaganda do cigarro Aspirante. “Depois de um Aspirante, só outro Aspirante”. Ainda
ouvíamos passar o “garrafeiro” ou então o “peixeiro”, anunciando-se de maneira
melodiosa e inesquecível. A carrocinha do leite ou os caminhões transportando
carne verde. No rádio, as últimas radionovelas de sucesso, principalmente
Gerônimo, o herói do sertão. Agora era Copa do Mundo no Chile. Meu pai,
trancado no escritório, dublando a narração radiofônica. Quem desse um pio.. Meu
pai fez entrar em casa a primeira tv. Homem de rádio, imagino sua perplexidade.
Aquele aparelho era um cavalo de Tróia. O indiozinho da Tv Marajoara. Nequinho
e Alecrim. O primeiro caía estrepitosamente. Levantava. O segundo perguntava:
caíste? Não, me levantei. Eu morria de rir. Hoje, não sei. Nunca perdi um
Círio. Desfilei pelo Nazaré no Dia da Raça. No carnaval, dormia cedo, mas me
lembro dos malandros de terno branco, calça vermelha e sapatos brancos, chapéu,
aguardando os Boêmios da Campina. No térreo do meu prédio, funcionava o
shopping da época, as lojas Salevy. Não sei a razão do “lojas”. Não havia
outras. Tio Samuca Levy era o dono. No Natal, espalhava barraquinhas nas
calçadas para aumentar as vendas. Foi uma infância de sonhos, em uma cidade à
qual só se chegava de barco ou de avião. Uma Camelot com seus reis e rainhas,
heróis, vilões, artistas, um mundo à parte. Eu talvez pensasse nisso, quando
desapareci de casa, deixando minha mãe enlouquecida a ligar para vizinhos até
decidir ir para as ruas e me encontrar passeando de elevador, para cima e para
baixo, pensando. Em quê? Na vida.
Um comentário:
Interessante sua narrativa , acerca do seu mundo á parte. São textos ricos en detalhes. Alguns de possivel compreensão outros não( pelos ou pelo detalhes econômico e arquitetônico da época). Nos remete a cenas de um filme, dos naos 60. Um filme que reflete a classe burguesa" luxo "
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