domingo, 16 de outubro de 2011

Ao Mestre, com carinho

Foi lendo um post de Yúdice Andrade sobre o Dia do Professor e a falta de manifestações mais efusivas que pensei sobre alguns professores que tiveram participação fundamental na construção do meu caráter, na minha educação, maneira de ver o mundo, ética, enfim, tudo. "Passei uma chuva" no Colégio São Paulo, tipo Maternal e segui para fazer o Primário no Suiço Brasileiro. Lá, apesar de ter grandes professoras, lembro principalmente de uma, Mercês, pequena, meia idade, na época, seria, talvez, 35 anos, cabelos crespos, boca pintada de batom. Era autoritária e dura. Eu a temia. E estudava. Naquela infância topei com outra grande figura humana, uma adolescente, filha do Consul da Inglaterra, Mr. Bolivar Kup, com quem iniciei meu aprendizado de Inglês. Talvez a maioria levasse como uma distração dela, mas não. Linda, doce, carinhosa, cabelos negros, branquinha, nariz arrebitado, trabalhou em mim o aprendizado ligado à fantasia, que já trazia de casa. Histórias, músicas que sei até hoje, desenhos para colorir. E no entanto, eu a fiz corar de vergonha. Era uma recepção do consulado. Ela vê o pai e o chama para demonstrar meus progressos. Ele pergunta, simpático, "How are you?" e eu, como era de se esperar de uma criança, olho para ela e aviso "ainda não dei isso". No entanto, na primeira vez em que cheguei a New York, já adulto, me enchi de orgulho ao conversar fluentemente com o motorista de taxi. Nunca mais vi Beatriz Kup. Gostaria muito de revê-la. Adiante, no Colégio Nazaré, encontrei Edson Berbary que em um trabalho de pesquisa, indicou-me "Menino de Engenho" de José Lins do Rêgo. Ao invés de comprar, tomei emprestado um exemplar na biblioteca de meu avô, devidamente autografado. E nunca mais parei de ler. Não posso me esquecer do Padre Tocantins. Ele surgiu como professor de História. Até hoje não sei se era um grande gozador, mas suas aulas eram um espetáculo onde nós, alunos, caprichávamos na anarquia e ele, imperturbável, distribuía zeros. Chegava ao requinte de mandar para fora de sala um aluno para, em seguida, anunciar uma arguição, com uma pergunta tipo "Quem descobriu o Brasil". E escolhia para responder, exatamente, aquele que havia mandado para fora. Ainda olhava em volta, como que procurando o aluno. E anunciava o zero, para desespero do anarquista, do lado de fora, gritando "estou aqui!". Ou o Professor Camarão, de Português, grande boêmio, que em determinados dias, tamanha era sua ressaca, mandava filas inteiras irem embora, até a sala ficar vazia. E o Irmão Afonso, figura tão bela, magnífico ser humano, que às vezes corria atrás de nós com um compasso imenso, de madeira, com o qual dava aulas de Desenho. E aí veio o Vestibular e eu não sabia o que queria ser. Queria mais era viver feliz, adiando, talvez, a maturidade que batia à porta. E havia o professor Moura, de Matemática, tão orgulhoso resolvendo problemas que duravam uns três quadros negros, até que meu colega Nassar, tão tímido quanto inteligente o chama e mostra um erro. E ele demora alguns segundos, teima, teima, até, silenciosamente, apagar dois quadros e retornar ao ponto em que havia errado. Havia Manoel Leite, também em Matemática, orgulhoso e nos fazendo amar sua matéria. Nogueira, de Química, grande figura, que partiu tão cedo. Passei em Engenharia Civil e ainda demorei alguns anos para criar coragem e romper com tudo. Em novo Vestibular, passei para Jornalismo, na Ufpa, onde me formei. Alguns anos depois, fui Professor Substituto de Jornalismo 1, 2 e 3, creio, mais Publicidade em Rádio. Pude perceber a riqueza da profissão. O amor por dividir o conhecimento. De ensinar. De revelar o desconhecido. Mostrar o caminho. Perceber, também, o enfrentamento diário, você ali, diante dos alunos, tendo apenas seu conhecimento e um quadro negro. Imagino isso hoje, com os alunos tendo à disposição os gadjets eletrônicos. Pude ver que um professor, ao olhar seus alunos, percebe logo quem quer e quem não quer estudar. E me decepcionei em uma aula de jingle publicitário. Inflamado, escrevo algo no quadro e quando me viro, noto que estou mais entusiasmado que a turma. Isso me fez desistir. Mas eu já tinha muitas outras coisas a fazer. E fiz. E faço. Mas sei que o Magistério é a profissão mais nobre que existe. Aquela que revela. Que dá a conhecer. Que abre a janela do conhecimento. Aquela que merece os mais altos salários para que possa ter a vida digna de sua responsabilidade. Que possa ler, ver, ouvir, assistir e assim, ensinar mais e melhor. Que possa viver, rir, se distrair porque sem leveza também não se vai longe. E que possa amar e ser amado. E aqui me lembro novamente de minha professorinha de inglês, Beatriz Kup. Como eu gostaria de revê-la! E antes que me esqueça, meus parabéns, Yúdice. Que sorte têm seus alunos!

2 comentários:

Yúdice Andrade disse...

Lindo texto, repleto de lembranças cariciosas e pitorescas. Alguns dos teus professores parecem personagens de programas humorísticos.
Fico feliz de ter motivado recordações tão bacanas, que acabaram compartilhadas.

Scylla Lage Neto disse...

Edyr, adorei o texto, transbordante de alegria e melancolia.
E, bem semelhante ao Dia do Professor, o Dia do Médico, 18 de outubro, passou quase que em branco na mídia e na blogosfera.
Tal fato comprova o paralelo vivido atualmente pelas duas profissões.
Mas recordar é bom e celebrar as boas recordações, melhor ainda.
Um abraço.