sexta-feira, 6 de maio de 2011

Com olhos bem fechados

Escrevo de sopetão. Acho até que já escrevi sobre isso. Me repito. Tive dez minutos de folga e cliquei para ouvir Beatles, assim a esmo. Rodou “It’s only love”, uma bobagem deliciosa, que particularmente me lembra uma pessoa, das antigas. Tudo isso me levou direto para a boate da Assembléia Paraense, a velha, na Presidente Vargas, onde havia, aos domingos, uma “Tertúlia”, assim chamavam, ou seja, festa para adolescentes. Rolava também no Pará Clube, na Tuna, T1, enfim, outros lugares. Mas a lembrança é da AP. Dançar de rosto colado. Ouvi a música, fechei os olhos e lembrei das sensações. Um primo, na época, me despertava inveja. Dançava do começo ao fim das festas. Saía de uma para outra menina. Como fazia? Tímido, sonhador, covarde talvez, eu hesitava, olhando as meninas, já deixando de lado as mais lindas e procuradas. Imagina, chego lá, “quer dançar?”, ela me olha de cima abaixo, baixinho, cabeçudo, feio e vai acabar me enxotando. Vai ser pior. E lá ia a noite avançando. Eu nas considerações. Em outra, havia a mãe e o pai. Enfrentar a mãe era uma coisa, mas o pai também, nunca. Um problema, uma tensão insuportável, a vontade de ir para o bar e deixar para um outro domingo, quem sabe. E no bar, ouvir os bonitões comentando que dançaram com essa e aquela, colaram com fulana e sicrana. Ature essa pressão toda. Encher a cara com cuba libre? Vai direto no rum puro? Mas tonto não daria para enfrentar. Afinal, sou um homem ou um rato? Passei a semana pensando nela, naquela uma que está sentada próximo à porta e agora passo, repasso, olho, ela está sentada, por sorte não veio ninguém tira-la para dançar. É a minha chance. Chance? Penso nas probabilidades. Considero pequenas. Diminutas. Bom, ao menos, se levar um “pau na testa”, já saio direto pela porta e vou para casa pra deixar de ser besta. Encho de ar os pulmões e vou caminhando em sua direção, como um grumete condenado, caminhando pela prancha do navio de um pirata sanguinário e vingativo. Olho para baixo e vejo os tubarões distribuindo senha para quem quiser provar meus pedaços. “Quer dançar?” Ela me olha, gelo, e ouço “O quê?” Realmente, a pergunta saíra tão baixa que ninguém ouviria. Ou então já é algum truque para me responder “não, estou cansada”, o que sem dúvida me faria considerar o suicídio, se tivesse nos dentes uma dose letal de estricnina, como aqueles espiões da Guerra Fria. Engato um Cid Moreira e pergunto “Quer dançar?”. Sim. Ela levanta, eu a deixo passar e vou atrás até a pista, onde Guilherme Coutinho toca e Walter Bandeira canta tipo “eu e eu, nesse amor que só vive em mim, que nem mesmo pode morrer, sendo eterno na dor”.. Agora dançamos, sem dizer nada, um ao outro. Percebo que a cabeça dela vai chegando próximo ao meu rosto. Seus cabelos já me espetam o rosto. Sinto seu perfume e agora já não faço a mínima idéia da música. Nossos corpos se aproximam e sinto sua respiração. Estupefato, maravilhado, sin palabras, o coração metralhando, ofereço o rosto e estamos colados. E agora? Qual o próximo passo? Sequer trocamos duas palavras, quer dizer, “quer dançar e sim”. Mais que duas. Concentre-se, pense no que fazer agora. Você se preparou tanto! Preparou nada. Não pensou nessa etapa. Não acreditou que chegasse a isso? Seria uma pobre idéia de mim próprio ou extremo respeito às meninas? Não tergiverse. E agora? Houston, we got a problem. Ajuda dos universitários! Infelizmente, travei. Simples. Nada de alt crtl del. Travei. Termina a música. Talvez decepcionada, ela me sussurra “vamos parar?”. E eu cedo sem luta, sem puxa-la de volta aos meus braços, jogar-me aos seus pés, enfim, sem reação, talvez os olhos baixos, não com ela, mas comigo mesmo. Ela vai para sua mesa e eu vou cabisbaixo em direção à porta de saída quando, boom, ué, ela colou comigo, senti seu perfume, seus cabelos e não nada mais importante no mundo. Dou meia volta. Na próxima música, será que ela dança novamente comigo?

2 comentários:

Luiza Montenegro Duarte disse...

Ela dançou? :D

Vera Cascaes disse...

Ah, Edyr...Quanta lembranças.Nem precisei ouvir os Beatles, bastou teu texto, tão bonito.
Nem imaginas o que se passava entre nós, as meninas que não eram as mais bonitas ou disputadas das "tertúlias".
Os temores eram os mesmos, meu caro.
Será que o baixinho vem me tirar para dançar? Com mãe na mesa, realmente, era muito pior.
E vocês lá, juntos, nos fazendo esperar a vida inteira em três horas de pipoca.
No dia seguinte, a ressaca moral por ter "feito crochê", tomando " chá de cadeira".
Por isso muitas acabavam descendo, escondidas, claro, para o Porão...Lá era tudo mais fácil...Não tinha nem espaço para ser difícil.
Um abraço carinhoso, envolto pela saudade daqueles bons tempos e do Guilherme teclando enquanto o Walter cantava "Me ver em você...", "Atalaia"...
Como era bom!