terça-feira, 19 de janeiro de 2010

O caos na Augusto Montenegro

Por vezes pensamos um passeio e bobamente, esquecemos das condições para realiza-lo. Às vezes, nossas mulheres, namoradas, como bem faz o espírito feminino, dizem logo que nada irá acontecer, afinal, estamos sempre puxando correntes nos passeios. Está bem, dizemos e encaramos. Uma noite dessas, a idéia era ir até Icoaraci, comer na Pizzaria Vitória. Deixo de lado a questão da rotatória, a Almirante Barroso, o incrível Entroncamento, obra a ridicularizar a engenharia paraense. Pior que tudo isso é o que fazemos no dia a dia pela cidade, no que diz respeito à "Rodovia" ou "Avenida" Augusto Montenegro. Sem uma definição certa, o que acarreta características próprias, hoje se trata de uma estrada, um caminho de roça, tomado pela "nova civilização", aquela que emerge da monumental falta de Educação, Cultura, Saúde e Saneamento, principalmente aqui no Pará. Há novas leis. Pedestres ocupam o caminho, seja atravessando, movimentando-se em qualquer velocidade, vendendo quinquilharias, juntamente com ciclistas na mão e contramão, enquanto que na nesga de pista, trafega velozmente, a não ser no trecho onde há radares, quando obedecem, por saber que o Poder Público ali está apenas para ganhar o dinheiro da multa, pois, para todas as outras condições que não existem, não está presente. Nesta nesga, sem qualquer especificação de horário, trafegam ônibus caindo aos pedaços, vans sinistras, desafiando qualquer idéia de segurança, taxis, carros de passeio, caminhões gigantescos, que estacionam onde bem entendem e motociclistas, sejam moto taxistas, crianças sem nenhum tipo de proteção e motociclistas sem chapa. Como um trouxa, nos damos conta e não dizemos nada, como uma vingança silenciosa contra aquela que nos empurrou a tal empreitada. Esperamos até que ela, diante daquilo tudo, capitule. Mas estamos chegando. Passear pela beiramar, lentamente, porque todos o fazem, em todos os tipos de veículos, ou andando, como bem entendem. E passamos por carros com sistema de som altíssimo, lado a lado, tocando brega, cada um diferente do outro. E vão andando, aos magotes, como quem não dá bola. Churrasquinho é o lancha da vez. Já escrevi um dia, voltarei breve, sobre a Cultura do Churrasquinho, que invadiu nosso mundo. Enfim, a pizza é gostosa e voltamos, enfrentando as mesmas confusões. Passa, zunindo, uma moto sem chapa. Adiante, um carro da Polícia. Faz que não vê. Agora, passa por nós uma dupla. Crianças, sem capacete, nada. O carro da Polícia tenta barrar a passagem, elas tentam escapar pelo outro lado. Investem na direção de um Posto de Gasolina, próximo a uma boate, onde as pessoas dançam quase dentro da pista, desviando-se de quem passa, e há filas duplas de taxis. A Polícia vai atrás das crianças. Das crianças.
A Augusto Montenegro está tomada por imensos super mercados, faculdades, conjuntos habitacionais de alto e baixíssimo nível, todos deixando para a pista, uma nesga. Será que nunca foi feito um plano sobre a ampliação das pistas? Hoje, claro que ela não mais comporta o fluxo de trânsito que recebe. E não há para onde escapar! As duas pistas estão afogadas, imprensadas pela ganancia de uns e incompetencia de outros. De quem é a culpa? De todos nós, inclusive de quem vive ali. Quem vive, tem dinheiro e cultura suficiente para perceber e não gritar. Todos parecemos querer ganhar o nosso e deixar pra lá. Donos desses condomínios ricos, lá dentro, devem ter vida de Primeiro Mundo. Pensam que o mundo é lá dentro. Não é. Quando pisam aqui fora, é na lama. E não estão nem aí. Se há alguma esperança? Não. Eu não tenho. Puxa, como é difícil viver em Belém!

Gil constrangedor

Fiquei muito constrangido ao ouvir o último disco de Gilberto Gil, "Banda Dois", gravado ao vivo, na companhia do filho Bem, revisando sucessos de sua carreira. Gil é um dos heróis da minha geração. Um gênio da mpb. Cantor, compositor, músico, arranjador. Sempre foi, com razão, muito orgulhoso de suas qualidades. O que menos gosto dele é quando fala. Prolixo, encontra significados e vai falando, cada vez menos compreensivamente, embora brilhante. Também não gostei do Gil ministro. Mas isso já é outra história. Mas foi no exercício do cargo que ficou mais evidente um problema na garganta que aos poucos, foi deixando sua maravilhosa voz, rouca. Logo ele, que fazia loucuras com ela, transformando-a em instrumento, jazzística, tudo, enfim. Operou, mas não adiantou. Quando ministro, queixava-se de não ter tempo para realizar shows. Era um artista. Pior, tinha uma estrutura para manter, entre secretários, músicos, produtores, enfim. Saiu do Governo e agora vem gravando cds. Este, virou DVD e até vem recebendo boas críticas. E como não receber? No repertório, algumas das mais bonitas músicas brasileiras, como "Expresso 2222", "Refazenda", "Refavela", apenas para citar três delas. Mas fiquei constrangido. Pessoalmente, embora muitos fiquem até injuriados, pensando ser agressão absurda, logo minha, que tanto o admira, enfim, pessoalmente, acho que Gil secou de uns 15 a vinte anos para cá. Muito tempo? Sim. A qualidade das músicas caiu brutalmente. Ele nos acostumou mal, tal qual Caetano, por exemplo, outro que. Este "Banda Dois" é constrangedor porque o maravilhoso cantor Gil acabou. Rouco, sem conseguir nem notas altas, nem baixas, fica tudo ali pelo meio, às escondidas, ele tentando driblar as dificuldades, aqui e ali esquecendo e tentando o falsete, tendo de retornar. E nossa memória é de gravações sensacionais, desculpe. Até seu violão, brilhante, fica em segundo plano, tamanha a decepção. Ouvimos o cd cantando junto, o repertório, mas chega um instante em que prefiro cancelar a audição, constrangido, por ele. Será que não percebe, logo um orgulhoso como Gil? Ou a necessidade é maior, a falta de um palco, que para um artista é terrível? Pena. Há um momento bom. Quando Maria Rita, com sua voz maviosa, jovem, lembrando a mãe, divide "Amor até o fim", curiosamente, a primeira composição de Gil. Ele a revelou em uma entrevista para a revista Bondinho, ali nos anos 70. A revista trouxe um compacto onde havia trechos da entrevista e a gravação, voz e violão, para gravador cassete, da música. É o único instante bonito. Gil ao violão, Maria Rita nos vocais. É pouco.

Mutantes, mas há coisas que não mudam

Assisti, com atraso, ao DVD com as apresentações dos Mutantes no Barbican Center, Londres, ocorridas, creio, no final de 2008 ou começo de 2009, sei lá. Para mim, foi uma catarse. Aproveitei que estava sozinho e botei o volume no máximo. Deixei que a música de Arnaldo, Sérgio e Rita me invadisse, não somente trazendo de volta todo um passado sonoro, lindo, rico, de minha adolescência, mas também me fazendo vibrar pela absoluta atualidade dos temas, incrível, tantos anos passados, tantas mudanças ocorridas.
É claro que os Mutantes me foram apresentados pelo Edgar, irmão mais velho. Tudo passava por ele. Ouvimos juntos desde o primeiro disco. A única lembrança de assisti-los tocando, e mesmo assim em gravação de video tape foi na apresentação no Festival de 1968, creio, acompanhando Gilberto Gil em "Domingo no Parque", até hoje, algo absolutamente original, genial, moderno. Uma orquestra, um berimbau, um grupo de rock, tocando um baião de letra cinematográfica. Adiante, assistindo "Loki", o belo documentário sobre Arnaldo, lançado pelo Canal Brasil, há uma breve entrevista feita nos bastidores daquele festival. O repórter quer saber o que representa, para Arnaldo, tocar com Gil. Ele responde, jovem, petulante, que tudo bem, foi legal. O repórter acusa a petulancia. Gil, ao lado, explica, que a iniciativa de convidar os Mutantes foi dele. Estavam gravando em estúdios próximos. Rogério Duprat o chamou para ver os rapazes. Gil disse why not? E assim, de maneira natural e não elocubrada, essas partes se juntaram para um momento único. Engraçado, que para gravar "Minha Menina", de Jorge Ben, eles foram buscar o Babulina em seu apartamento. Ele havia prometido uma música. Havia esquecido. No caminho para o estúdio, compôs. Tão natural e tão genial. Que época. Já li tudo sobre os caras. Não vou, aqui, contar porque é longo. Em "Loki" está tudo bem explicado. No show do Barbican, a enorme banda, com teclados e múltiplos instrumentos para dar conta dos arranjos. Rogério Duprat contou que na época, tal qual Paul McCartney para George Martin, eles pediam uma orquestra com um som assim, tipo "Ben Hur". Saiu a introdução de "Dom Quixote". No lugar de Rita, Zélia Duncan. E aqui está a razão desta postagem. São Mutantes, modernos, geniais, mas há algo que nunca muda e é o amor. O amor ou desamor, destruiu os Mutantes. Os humanos. Tão geniais e no entanto vem o amor ou desamor e créu. Os caras em Londres decidiram fazer uma grande exposição sobre a Tropicália. Aí veio a coisa de juntar novamente os Mutantes. Dinho topou. Não tocava bateria há anos. Liminha, não. Rita, também. Zélia havia feito amizade com Sergio. Amiga de Rita, ligou para comunicar, pedir opinião. Vai que é tua. Mas Rita não foi. Tantos anos e ainda está lá a confusão. Sergio diz que Rita é uma coisa em frente às câmeras e outra, fora. Ela argumenta que foi expulsa da banda, pelos irmãos. É verdade. Na época, anos 70, estavam todos fissurados pelo rock progressivo. Eu também. Rita não cabia. Mas é apenas uma boa desculpa. Não a verdadeira. Os Mutantes foram à Europa. Lá, o artista plástico Antonio Peticov os apresentou ao LSD. E aí, tudo o que era fruto da imaginação fértil, ganhou um aditivo. Viajaram demais. Arnaldo, sobretudo. Rita, que somente há pouco, quando virou avó, deixou as drogas. Arnaldo, sensível demais, mola propulsora da banda, casado com Rita, primeira namorada, primeira tudo. Rita internou Arnaldo. Ele se queixa, até hoje. Não era louco. Na quinta internação, ele próprio declara, dia de reveillon, jogou-se do terceiro, quarto andar, sei lá, do hospital, hospício, sei lá. Diz que foi homenagem àquela que o internou pela primeira vez. Vejam só, tantos anos depois, ele ainda diz. Até hoje, o amor não resolvido. Nunca mais se encontraram. Nunca mais. Cinco meses na UTI e quem o salva é uma fã, que a partir daí se torna sua mãe, esposa, amiga e o leva para Juiz de Fora. Volta algumas vezes. Lentamente. E onde estava a família de Arnaldo? Não sei. Sérgio? Não sei. Ele, diversas vezes, em "Loki", explica a imbecilidade de serem tão jovens, não perceberem as alterações, a violência das ações.
Agora, Arnaldo está no centro do palco do Barbican. Sérgio comanda tudo. Ele também, que continua um guitarrista, arranjador e compositor genial, desapareceu. Gravou algumas coisas, mas sem a força de antes. Rita deu certo. Foi na direção do escracho, transformou marchinhas carnavalescas em rock e se deu bem. Eu gosto de muita coisa que ela faz. Mas essa história de amor ainda está no ar. Arnaldo parece feliz. Muito feliz. Declara, nos bastidores do show, que espera que algo muito bom lhe aconteça, naquela noite. É absurdamente comovedor. O som é grande, enorme, poderoso e bom. Zélia faz sua parte, de maneira competente. A banda é ótima. Sérgio é sensacional. Arnaldo, voz fraca, mas segurando a onda, está ótimo. Feliz. Estou maravilhosamente feliz, também, ouvindo, pela primeira vez, os Mutantes tocando ao vivo, todas as músicas da minha adolescência. "Hoje eu vou fugir de casa, vou levando a mala cheia de ilusão". Ou então "Meu peito é de sal de fruta, fervendo num copo d'água". Não há, ainda hoje, nada tão moderno e genial.
Bom, veio o disco novo, com Tomzé participando. Ainda não ouvi. Mas Arnaldo caiu fora. O que terá havido? Estava tão feliz! Será ciúme de sua mãeesposaamiga? Será que Sérgio é o mal? Tão genial, tão amoroso com o irmão, tão elogiado por Zélia? Não sei. O que ficou claro foi que há um caso de amor não resolvido. E isso, nem com os Mutantes, muda. Tão humano, tão romance, tão cruel e lindo. Vida.