sexta-feira, 4 de agosto de 2017
O TÓPLIS NÃO APARECEU
Naquela
sexta o Tóplis não foi trabalhar na birosca ali perto da Presidente Vargas.
Sabe lá, dormiu muito, arranjou algum esquema, se deu bem, ele merece, grande
figura. No sábado, também não foi trabalhar. Ele não tinha, assim, um vínculo
empregatício, carteira assinada ou sequer contrato. Foi aparecendo, chegando,
ficando por ali, conversando, disposto a qualquer tarefa, primeiro de boas, só
pela amizade e adiante, faturando alguma ponta dos bicos que pegava. Parece que
o apelido vinha dele tentar dizer “Topless”. Começamos a ligar pro celular do
Tóplis. Chamava e ninguém atendia. Estava ficando estranho. Arrumou uma coroa e
foi passar o fim de semana em Algodoal? Ele tinha uns macetes. Quase setenta
anos, mas não passava recibo. O que queria da vida, o Tóplis? A essa altura,
ficar por ali batendo papo, arengando com uns e outros e no fim do dia, tomar
seu chopinho em paz, até a leveza bater e ir dormir. E não é que encontrou a
medida certa? Quais eram as outras ambições? Uma coroa, como já disse. Me
contava que aos finais de semana ia ao shopping tomar suas cervas. Ficava por
ali, sorvendo o líquido e admirando a paisagem, no caso, as mulheres que
circulavam. Tem muita mulher solteira. Não entendo esses homens. Chegam de
turma, bebem, riem, fofocam e saem sozinhas, como chegaram. Eu fico por ali
abicorando. Umas solitárias. Parecem aguardar alguém, que não chega nunca. De
vez em quando rola um papo, sabe como é. O Tóplis aqui se dá bem, de vez em
quando. Esses caras de hoje nào sabem tratar uma mulher. Mulher quer atenção,
carinho, alguém que ouça suas queixas, que concorde com suas opiniões. Ao final
ainda pagam minha consumação e olha, bem, tu sabes como é, né? E soltava aquela
gargalhada. O Tóplis era um solitário. Seu mundo estava ali, ao redor da
birosca. De vez em quando contava aventuras de sua mocidade, aprontando todas,
com amigos que ele ia lembrando, dizendo os nomes, como se eu os conhecesse. Eu
já estive nas altas rodas, cara. Eles vinham comer na minha mão, mas depois vi que
isso não valia nada. Quando eu passava na frente, vinha me mostrar as mulheres
nuas nos jornais. E ainda tem gente que não gosta disso, ria. Quando Remo ou
Paysandu perdiam, um brincava com o outro, mas sempre com muito humor. O Tóplis
não atendeu ao telefone. No domingo, pegamos o endereço da pensão em que
morava. Um quarto humilde, mas no centro da cidade. Não, ninguém sabia de nada.
Batemos à porta. Nada. O zelador veio com a chave. Estava caído, ao lado da
cama, um lado do corpo paralisado. Passara aquele tempo todo sem água ou
alimento. Sem medicação. Um AVC em algum momento o deixou tonto. Tentou
levantar mas caiu e ali ficou. Chamamos Samu e médicos. Fazíamos perguntas. Não
conseguia falar. Os olhos mexiam. Quando me olhavam, desviavam em direção a
algum lugar. Não foi logo que percebi. Muito simples, o quarto. Assim era o
Tóplis. Umas duas calças, quatro camisas e um sapato. Ganhava uma merreca de
aposentadoria. Complementava com os bicos. Os médicos o levaram. Não suportou.
Morreu. Família espalhada. Um irmão pareceu responsável. Enterramos. Ficamos
tristes a lembrar seus causos. O Carlão, dono da vendinha é que disse que o
Tóplis tinha mexido com jogo clandestino da pesada, quando era mais novo. Foi
quando me lembrei dos avisos que ele me dava ao desviar o olhar em uma direção,
em seu quarto. Voltei à pensão. Havia, sobre uma mesinha, um bolo de papéis
manuscritos, um título simples, “Meu Jogo da Vida”. Sentei e comecei a ler. Ali
estava uma vida cheia de acontecimentos maravilhosos, começando em São Miguel
do Guamá e tendo seu auge nos cassinos de Belém. Mas esse Tóplis! E essa
história, hein?
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