terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Nós, os invisíveis

Comecei a escrever e expor meus trabalhos publicamente pouco depois dos meus 16 anos. Lá se vai muito tempo. São doze ou treze livros, quinze a vinte peças de teatro, músicas, enfim, posso dizer que tenho uma obra. No entanto, a cada vez que vem um repórter novo fazer uma entrevista, olha para mim como um desconhecido. Como é mesmo seu nome? É seu primeiro livro? Quem é o autor do texto, é você, mesmo? Mesmo assim, sou profundamente agradecido aos colegas jornalistas, que nunca negaram espaço aos meus trabalhos. Recentemente, Anderson Araújo. Ismael Machado também escreveu muito bem. Quer dizer, no momento sou censurado na Tv e Rádio Cultura. Tudo porque, na qualidade de cidadão paraense, critiquei duramente ações dos veículos de comunicação e da Secretaria de Cultura, serviços públicos. Não é novidade. Há vinte anos que não sou chamado para nada que se refira a Literatura ou Teatro. Posso estender o assunto à Ufpa e também às particulares. Vejam, posso ser um mau escritor. Insistente e mau escritor. Mas, fora do Pará, tenho razoável acolhida, com trabalhos traduzidos e lançados em mercados importantes. Bem, poderiam dizer que sou comercial como um Paulo Coelho. Acho que não, sei lá. Também não gosto dele, mas li alguns de seus livros para ter a opinião. Os vinte anos de censura somente atrapalharam. Não deixei de escrever e mostrar trabalhos. 
Creio haver alguns motivos para esse fator "invisível", que atinge a mim e a maioria dos meus colegas, das diversas áreas. Temos vinte anos de um desmanche cultural, substituído por atitudes cretinas, com muita propaganda enganosa. Antes disso, minhas peças de teatro lotavam Teatro da Paz. Meus lançamentos de livros eram cheios. Falo por mim e pelos demais colegas. Esses vinte anos apagaram nossas figuras. Nossa classe média esqueceu do significado de Cultura, hoje traduzido em diversão, bebida, suor e apatia. Nós, os invisíveis, ainda somos enxergados por um número entre mil e dois mil pessoas, em um universo de dois milhões, na Grande Belém. São elas que saem de casa, deixando as novelas, filmes piratas, seu conforto, para assistir em salas pequenas, no Cuíra, no Cláudio Barradas, no Sesc, espetáculos, shows, exposições. 
Faço parte de um grupo que joga futebol aos sábados. Poucos sabem que sou escritor, mas não conseguem desenvolver o assunto comigo. São inteligentes, formados, bons profissionais de alto padrão financeiro. A Cultura não faz parte de suas vidas. No máximo, se vem uma peça do RJ com um artista global, a mulher enche o saco e vão assistir. Ou o show daquele grupo de pagode. Ir ao teatro assistir artista da terra, nunca. Quanto à periferia, pior ainda. Lá, há comunidades longamente acompanhadas por partidos políticos radicais. Através do Chega, tentamos contato, mas percebemos a falta de vontade de dividir ações, meramente por questões de poder político, o que não desenvolvemos.
E vamos pelas ruas, desconhecidos, invisíveis. Minha namorada participou, mais uma vez, de uma novela global. Às vezes a olham e não sabem se a viram ou não. Ou fazem como nós, paraenses, gostamos de fazer. Ignoramos como uma agressão. Aquele cara, que acharam parecido com Elvis Presley. Todos brincavam de chamá-lo. Um dia, na rua, andando, um cara chama, insistentemente "Elvis Presley"! Após todos os chamados, ele olha. "Tá aqui que tu és Elvis Presley"! E mostra um cotoco para ele. O que você faz? Sou escritor. Me olham sem saber o que dizer. Nunca leram livro meu. Nunca ouviram falar. Está fora do seu cotidiano. Esta é minha namorada. O que ela faz? É atriz. Atriz?
O público, no Cuíra, é razoavelmente conhecido. O teatro tem cem lugares. Quando lotamos é uma festa. Será que conseguiremos, um dia, nos tornar visíveis? Ter a Cultura local reconhecida, desenvolvida profissionalmente? Ano que vem, teremos eleições. PT e PSDB, os últimos a governar nesses vinte anos, foram péssimos. Em quem votaremos?
PP Condurú está com uma exposição. Tadeu Lobato na Galeria Assim. Há espetáculo no final de semana, no Cuíra, Loucura de uma Atriz. No Cuíra, estamos lançando o projeto Só Dói Quando Eu Rio, com os espetáculos "As Gêmeas Sedentas de Sexo", "Zuma"(título provisório), "Da Arte de Sair do Armário" e "Gilda"(título provisório), para começar 2014 a todo vapor. Na raça. Na vontade. Não temos leis. Não temos nada. Estamos conseguindo pequenos patrocínios. Temos amor pelo que fazemos. Fazemos por nós. Fazemos pela sociedade que não nos vê, mas haverá de. Nós, os invisíveis.

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