sexta-feira, 27 de maio de 2016

1965

Eu tinha onze anos de cidade e naquela época, era o mesmo que um garoto de hoje, com uns oito anos, talvez menos. Mas tinha irmãos mais velhos. E todos ligados em música. Eu lembro de uma festa no CCBEU, que funcionava em uma casa, na esquina da Nazaré com a Rui Barbosa. Tocava muito Johnny Rivers e “It’s too late”. O disco, “Whisky a Go Go”, hoje, é muito difícil de encontrar. E então começo a ler “1965, o ano mais revolucionário da música”, escrito por Andrew Grant Jackson, Editora Leya. Nesse ano, os babyboomers, gerados logo após a Segunda Guerra Mundial, tinham 20 anos de idade e vontade de revolucionar o mundo. Tudo aconteceu. Que fabulosa geração! Os Beatles lançaram dois discos, o primeiro, “Help” e o segundo, “Rubber Soul”, neste, George Harrison experimentando pela primeira vez a cítara indiana. Seus rivais, Rolling Stones, simplesmente lançaram “Satisfaction” e em seguida, “As Tears Go By”, para ir atrás dos caras de Liverpool. E os Beach Boys? Brian Wilson, com seu trabalho, enlouquecia Paul McCartney. Uma competição! Imaginem. Ao mesmo tempo, Berry Gordy, através da Motown, lançava música pop com músicos negros como Temptations, Supremes e muitos outros. Se havia em Detroit músicos de estúdio que trabalhavam como em uma fábrica, havia outros, iguais, em Los Angeles. E um edifício em New York, o Brill, onde compositores também faziam música em ritmo industrial. Carole King era uma dessas compositoras. Mas Beatles e Rolling Stones, por exemplo, não precisavam de músicos de estúdio. Nem de autores. A coisa foi mudando. E Bob Dylan? O bardo lançou “Like a Rolling Stone” e abriu o Festival de Newport, tradicionalíssimo de folk music, com guitarras elétricas. Foi chamado de traidor. Enquanto isso, os Byrds faziam versão rock de “Mr. Tambourine Man”. O que aconteceria com os Beatles, se Bob Dylan não lhes tivesse apresentado à maconha? E ao LSD? E a Guerra do Vietnã, com Lyndon Johnson mandando para a morte milhares de jovens. Martin Luther King e Malcom X lutavam contra o racismo, vergonha daquela época, e de todas até agora. The Who lançou “My Generation” com a célebre frase “Hope I die before I get old”. Pois é, ainda tentam tocar, hoje. Os Mamas and the Papas tentavam cantar, enquanto Michelle, a mulher de John Philips, linda, dava para todos os homens que via. O auge do Flower Power, aquele de San Francisco onde Scott Mackenzie cantava “be sure to wear flowers in your head”. E as mulheres marcaram presença com Nancy Sinatra cantando “These boots are made for walking”. Quer jazz? John Coltrane lançou “A love supreme”. Quer funk? James Brown veio com sua dança e seu ritmo. Nos Estados Unidos, febre britânica, inclusive na moda, com Mary Quant e a minissaia. Nas artes plásticas, Andy Warhol fotografou a lata da sopa Campbell’s, que a mãe adorava e virou um gênio. Simon and Garfunkel, após uns dois anos de ralação, gravaram “The Sound of the Silence. Que tal? Tudo isso não chegou logo por aqui em Belém do Pará. Demorava. Até ano. Notícias, somente as mais importantes, através de radiofoto da UPI. E nós, aqui, vibrando, procurando entender, tentando tocar, vestir, ser aquela coisa colorida, maravilhosa, jovem e revolucionária que era 1965. Ah, esqueci de contar da pílula anticoncepcional. Percebam quantas mudanças! O mundo nunca mais foi o mesmo. E eu, embora criança, assisti e gravei tudo na minha cabeça. O livro é uma delícia.

sexta-feira, 20 de maio de 2016

EDYR PROENÇA E A FALTA QUE ELE ME FAZ

Se estivesse vivo, completaria, ontem, 96 anos de idade. Edyr Proença estava no auge de sua produção quando se foi. Me dizia que após se aposentar, começara a trabalhar mais ainda. Mas é que também, se ocupava em assistir jogos de vôlei nas manhãs, basquete à tarde e futebol à noite. E havia o violão onde compunha músicas, em um estilo que lembrava seus primeiros ídolos, Noel Rosa, Francisco Alves, e agora a bossa nova, pela qual se apaixonou, incluindo também Paulinho da Viola entre grandes figuras. Estávamos diariamente juntos, à hora do almoço, quando saia correndo por conta do programa de esportes que ouviria ou assistiria. Grande piadista, cheio de humor, tinha sempre uma nova anedota para contar. Mas muito sério quando era necessário. Um dia, a síndica do Palácio do Rádio o chamou para reclamar que funcionários do plantão esportivo da Clube jogavam futebol com bola de meia no corredor do prédio, incomodando moradores. Ouviu calado. Era um dos jogadores. Apresentou-me ao campo de futebol e seu conjunto maravilhoso de integrantes. Ao seu lado, ainda como locutor esportivo, “o tempo passa, a barba cresce”, depois como o comentarista respeitado, penso ter aprendido. Havia peladas no Lago Azul no meio da semana. Eu estava lá. Jogava no meio do campo, cobrava faltas. Tantos causos. Depois havia uma pelada de basquete, aos domingos, na quadra. Brigavam e discutiam mais do que jogavam. Quando alguém ingressava no garrafão, era como um “corredor polonês”. Imaginem. E as piadas? Tinha o timing, melodia, vocabulário e o gestual. Fazia as vozes. O grupo fazia a roda. Ao final, arrematava com gargalhada e tapas nos ombros dos próximos, como que exigindo que todos rissem, ou aplaudissem. De músico ativo, integrante do Bando da Estrela, transformou-se em um chefe de família sério e infatigável no trabalho, dando três expedientes diários para criar seus cinco rebentos. E de repente, um dia qualquer, pegou o violão, guardado em uma caixa e tocou alguma coisa. Eu estava nos meus 18 anos. Fiz uma letra. Pensou que seria inscrita em um festival promovido pela Ufpa. Não era. Melhor assim. Foi seu retorno à composição, sua presença constante em serestas, ele e minha mãe, descobrindo novamente a alegria de cantar e compor, rejuvenescendo, à medida em que os filhos adolesciam. Lançou livros e estava escrevendo sobre o rádio que viveu, quando se foi. Gostava de filmes de bang bang. Ou filmes com Charlie Bronson. Ia em todas as minhas estreias, mas sua praia não era bem o Teatro. Jogamos futebol juntos até ele se aborrecer em não poder mais executar o que a cabeça pensava. Naquela época, ninguém malhava como hoje, quando tenho a idade em que ele parou e ainda faço minhas tentativas de jogar futebol. Meu pai foi meu porto seguro. Hoje percebo o quanto ele estava certo em suas opiniões e quando converso com meus filhos, não deixo de perceber como a história se repete. Foi meu melhor e mais sincero amigo. Um ídolo no que diz respeito ao equilíbrio, caráter, correção, honestidade. Na escrita, variando entre o texto perfeito e o bom humor. Seu imenso amor por nós gritava pelos olhos, sem que fosse necessário grandes gestos. Ensinou-nos a liberdade e a responsabilidade sobre nossos atos. De cinco irmãos, quatro são jornalistas, radialistas. Quanta falta me faz, meu pai. Foi tão de repente.

sexta-feira, 13 de maio de 2016

VOCÊ VIU O CABEÇÃO POR AÍ?

Pássaro Preto percebeu a passagem do tempo. Já não tinha a mesma agilidade. As encomendas já não eram tão constantes. E havia uma garotada que montava em motos e fazia os serviços de maneira grosseira. Paciência. Naquela manhã em que acabara de fazer faxina e trocar a ração de seus curiós preseiros, recebeu um telefonema. Anotou os detalhes. Seus trabalhos eram limpos. Não deixava pistas. Nunca teve problemas com a Polícia. Macaco velho. Tomou uma ducha, botou roupa de trabalho, coisa simples, para não chamar a atenção, armou-se de uma faca, pegou o ônibus e desceu na Cidade Velha. Mais uns passos e estava nas imediações do Porto do Sal. Passou no Insano, Tabuas de Marés, passeou entre as vendinhas, tomou uma lambada para temperar e perguntou, aqui e ali, pelo Cabeção. Quer uma muca, um tiro, pode dizer que a gente arranja, nem precisa dele. Não. É só com ele. Vou circular por aí. Se ele aparecer, diz que eu quero falar. Seguiu na rua até subir a pequena ladeira que dá na Praça do Carmo, a Igreja, Fórum Landi, os dois bares competindo para ver quem tocava mais alto a música. Escolheu uma mesa e deixou-se ficar, consumindo umas cervas. Mais tarde, retomou a caminhada. O rapaz disse que o Cabeção estava lá adiante, conversando com umas meninas. Agradeceu. Se abicorou e vigiou. Cabeção era bem jovem. Máquina zero ao redor da cabeça e o topo pintado de louro. Bermudão e sandália Kenner. Parecia senhor do território. Mexia com um, gozava outro, parou no boteco, comprou um Carlton e bebeu uma cerveja. Chegou um freguês. Era coisa rápida e simples. Passava a peteca e com a outra mão recolhia o dinheiro. Pássaro Preto ficou a postos. Cabeção continuou a circular. Haveria show nas duas casas. Mais tarde, chegariam mais clientes. Pássaro Preto estudava por onde ele costumava a passear. O local certo. A rapidez necessária. As condições de uma fuga tranquila e sem testemunhas. Carros começaram a chegar. A molecada faturava algum “reparando” os carros. Gente jovem, bem vestida e animada. Cabeção recebia telefonemas. Ia até a esquina, o carro passava e recolhia o produto. Alguém o chamou entre os veículos estacionados. A noite parecia ser lucrativa. Pássaro Preto pensou que se conseguisse atraí-lo para as imediações da igreja, teria algum tempo para executar o serviço e pegar o ônibus ali próximo. Cabeção entrou em uma das casas. Pássaro Preto foi atrás. O som rolava. Sertanejo, sei lá. Prudente, jogou-se em um canto e ficou olhando. Cabeção na boa. Os boyzinhos chamavam e ele ia. Riam juntos. Lá vinha ele. Passou do lado. Ô vida boa, tudo bem? Cabeção parou. E aí, cara, ta precisando de alguma coisa? Eu, não, mas a minha patroa quer. Me mandou te procurar. Tu é o Cabeção, né? Procurar pra quê? Ela tá ali na Praça, com umas coroas amigas dela. Quer comprar o produto. Paga bem. Elas são doidas, vivem chapadas. Podes ir lá comigo, agora? Porra, velho, aqui tá bom demais pra mim. Elas pagam bem.. Vamos logo lá. Foram andando. Elas estão ali naquela bar que fica.. Na esquina? É. Faltava pouco para a ladeira. Encostou uma moto. Pássaro Preto percebeu. Poucas palavras. Cabeção saiu correndo. A moto atirando. Subiu a ladeira. Cabeção caiu. Levou mais tiros na cabeça. Pássaro Preto chegou sem fôlego. Já era. Gente veio correndo. Olhou em volta. Um carrinho de lanches. O Completão da Adália. Do que é o suco? Cupuaçu. Filhas da puta. Bando de garoto pimbudo fazendo serviço porco. E o meu?

sexta-feira, 6 de maio de 2016

NOSSOS SABADOYLES

Às sextas, os restaurantes da cidade ficam lotados. Turmas e turmas de amigos se reúnem para longas refeições, combinadas com vozes e risadas altas. Sei de uma turma que reúne sempre às quintas, lá no Capone, contando inclusive com a presença do Dr. Aurélio do Carmo. Eu também já tive uma turma. Éramos seis e também almoçávamos juntos, não lembro qual o dia da semana. Discutíamos sobre livros, música, teatro e política. Havia muito o que conversar. Penso que era final dos anos 70, começo dos anos 80, uma virada de geração em várias áreas. O tempo, a vida acabou nos afastando um tanto, apesar de ainda sermos amigos. Pena. Era muito bom. Mas agora, creio que uma nova turma está se formando, com sua própria cara, todos tendo o gosto comum pela Literatura. A base está com Salomão Laredo, o escritor, que fez a “Feira do Salomão”, com todos os seus livros a preços promocionais. A partir daí, talvez o vento, a chuva, os senhores do tempo, foram reunindo um grupo de amigos, que costumavam frequentar a Livraria Fox, no que deu na primeira FLiPa, que tanto sucesso já obteve e que tem nova data assegurada, para o terceiro final de semana de outubro. Por conta de reunir e decidir sobre Prêmio Fox, Prêmio Nobre, Patrono e outras questões, começamos a nos encontrar às nove da manhã dos sábados. Pela FLiPa, Deborah Miranda e Marcos Eluan. Por nosso lado, Salomão Laredo e sua Lígia, Andrei Simões e Camila Andrade, Roberta Spindler e este locutor que vos fala. A reunião de trabalho finda e chegam o jornalista Álvaro Martins (nosso recente “imortal”), o advogado Flávio Oliveira (premiado com seu primeiro livro com o Troféu Fox), Agildo Monteiro, Tenório e sua Aparecida, formando uma grande roda para conversar sobre Literatura, para comentar um ou outro livro que leram e os lançamentos, avidamente disputados. Ou para nem falar sobre Literatura. São, antes de tudo, consumidores de livros. Tenório, por exemplo, nordestino radicado em Castanhal, vem duas vezes por mês e percorre todas as livrarias da cidade, na busca de novos produtos para sua famosa e comentadíssima biblioteca. A FLiPa chegou até a nomear uma comissão para ir até lá, tentar conhecer de perto, mesmo ultrapassando várias guaritas, cães ferozes e unidades do batalhão da caveira, além de sensores que detectam qualquer tentativa de “empréstimo” de algum exemplar. Por meu lado, posso dizer que Tenório sabe mais de mim do que eu próprio, tamanho seu zelo em acompanhar, também, minhas peripécias literárias. A idéia de escrever esta crônica veio sábado passado, quando conversamos, fotografamos, pesquisamos livros e gozamos da companhia uns dos outros. Lembrei dos famosos “Sabadoyles”, realizados aos sábados à tarde, na casa de Plínio Doyle, no Rio de Janeiro, quando chegavam aos poucos, sem marcar nem nada, amigos para passar a tarde conversando, tomando refrescos e comendo biscoitos. Pedro Nava, Carlos Drummond de Andrade, Raul Bopp, e outros eram simplesmente amigos que gostavam de se reunir. Bom, preciso dizer que não é a única turma, a nossa, na Fox. Há um grupo com uns trinta jovens que se reúne, ruidosamente, para falar de Literatura. E mais um outro, de velhos amigos que no entanto, por não ter sua licença, não revelo os nomes. Pois é, nosso “Sabadoyle”, com todo o respeito. Apareçam.