sexta-feira, 29 de outubro de 2010

O fim do Cinema tesouro e a magia do Teatro viva

Peter Greenaway deu entrevistas esses dias. Esteve no Rio ou SP. É um grande artista. Nem tenho Cultura cinematográfica suficiente para discutir mas assisti algumas de suas obras extasiado. Seus últimos trabalhos foram sobre Rembrandt. Está morando na Holanda. Ficou louco pela técnica do pintor em luz artificial. Imagino o que deve ter feito. Mas Peter está desencantado com o Cinema. Acha que está morto. Acha que webmasters inventaram a arte do cinema participativo, não passivo, onde entramos naquele útero escuro e nos postamos, sentados confortavelmente, para receber aquela carga de informação que vem da tela, daquele ser, daquela boca luminosa. Peter acha que o cinema acabou com a invenção do controle remoto. Talvez esteja falando comigo. Quase não vou ao cinema. Tenho uma boa tela e assisto no conforto de minha casa. Xixi, Coke, biscoitinhos, sabe como é. Disse que não tem twitter pois ou passava o dia atento aos outros e respondendo, ou ia criar. Bem, também não tenho twitter. E Arnaldo Jabor? A Folha não gostou, mas o Estadão fez elogios ao seu "Suprema Felicidade", um "Amarcord" brasileiro. Gosto do Jabor jornalista. Lembro ter assistido "Eu te amo" e ter gostado mais do texto do que do filme. Jabor disse que o cinema tesouro acabou. A ilusão que levava ao êxtase. Agora é o cinema como realidade alternativa. Ou às vezes, como documentário. Leio críticas sobre "Tropa de Elite 2" e acho que as pessoas comentam o filme como se tivessem assistido a um documentário. Como se o Coronel Nascimento existisse e temos de discutir suas ações. É somente um filme. Também penso na espetacularização da violência feita por Hollywood. Há muito que não vamos ao cinema para ouvir o que o filme diz. Ouvir e pensar. É somente aquela torrente de agressões visuais e sonoras, como uma picareta querendo invadir nossa alma. Meu filho me mostrou um jogo em BluRay. Você escolhe quem quer ser. É um sujeito encarregado de matar uma outra em Manhattan. Ih, a Polícia já está atrás. Você sai correndo, atira, mata, toma um carro, segue pelas ruas de Manhattan, logo uma rádio patrulha aciona a sirene, há um mapa da ilha, por onde ir? Deixar o carro, se esconder no Central Park, onde era, mesmo, que estava o cara que iria matar? A veracidade e qualidade do Game me fazem pensar no garoto com pouco preparo intelectual e psicológico, que após passar doze horas seguidas jogando, sai de casa e vai à Academia malhar e de repente, fica pilhado, ligado, máquina de matar pronta para arremedar o Game. Vai à festa não para ver as meninas, mas para estraçalhar outros garotos. Que vai no seu carro e vem um bobo e encosta, bate, sei lá, tranca. É perseguido e estraçalhado. Penso nisso com grande preocupação e estou na porta do Teatro Cuíra, recebendo o público das Gatosas. Muita gente vindo pela primeira vez ao Cuíra. E que só esteve em Teatro para assistir qualquer global que passou por aqui. E ali, naquele lugar simples, mas com o público bem próximo, dá-se a química. Olho seus rostos, olhos atentos, sorriso na face, a mágica acontecendo na sua frente, quase pele com pele. E saem dizendo que gostaram, já perguntaram uma vez se elas são atrizes paraenses, pois parecem de fora, enfim, essas coisas. A mágica do teatro. Semana que vem estreamos "Sem Dizer Adeus" e usamos projeção de imagens. O cinema com o teatro, no caso, o cinema como coadjuvante, como um instrumento a mais para fazer a mágica funcionar. Tomara que gostem.

Estamos começando nossa descida

Acabei de ler este romance, autoria de James Meek e o que me fez comprá-lo foi o fato do autor ter sido repórter de guerra e o tema do livro passar sobre esse cenário. É curioso que após a Segunda Guerra Mundial, exceto o Japão, os americanos terem se metido em guerras que acontecem em países que em tudo diferem de sua Cultura. Coréia, Vietnã, Ásia e África, fazendo com que seus garotos se sintam como o astronauta que desceu na lua. Agora são livros que se passam no Afeganistão, Iraque e Irã. O cara é um repórter do The Citizen, inglês, no Afeganistão, no tempo da guerra contra os talibãs. Realidade inóspita de guerra, perigo, pobreza, deserto de dia, frio à noite, cadáveres aqui e ali. Encontra uma repórter americana. Boy meets girl and. Pois é. O intérprete arranja um lugar para terem uma noite de amor tranquila. Tranquila? Em um abandonado aeroporto russo, de onde podem ver a movimentação do inimigo. Americanos, pra valer, somente em aviões ou nos foguetes que vão direto e explodem os caras. No outro dia, um cara se aproxima da repórter. Fala um pouco de sérvio, esteve na Bulgária. Vamos disparar um tiro naquela árvore ali, só de brincadeira pra ver quem acerta? Mas em vez disso, dispara e acerta um caminhão talibã, ao longe. Duas pessoas saem em chamas e devem ter morrido. Eles foram enganados pelo cara, mas e aí? Por qualquer motivo, talvez trabalho, eles se separam. Ela volta pra casa. Ele também, mas apaixonado. Havia entregue os originais de um livro que foi comprado por uma editora americana, através de um contratado em Paris, que leu e gostou. Haveria um adiantamento de 65 mil libras. O repórter se despede do jornal. Nesse ínterim, dois aviões comerciais são desviados de sua rota e arremessados contra as Torres Gêmeas em NY. Ele vai a uma reunião na casa de amigos. Explodiu aquele acúmulo que os repórteres de guerra vão acumulando silenciosamente em toda a violência que assistem. Brigou com todos. Em casa, um email da repórter dando seu endereço e dizendo que se quisesse ficar com ela, que fosse até lá. Compra uma passagem de primeira classe e atravessa o Atlântico, com a roupa do corpo. Chega e vai direto à Editora. Uma moça vem e lhe diz que a empresa foi vendida há uns três dias e resolveram não lançar mais seu trabalho. Seu livro contava de uma guerra entre Estados Unidos e Europa. "Você está louco em querer publicar algo assim nestes tempos?" Esse foi um momento terrível. Fiquei arrasado por ele. Sabe o que é ter o livro aceito, grandes planos, adiantamento, turnê de lançamento, atravessar o Atlântico de primeira classe e perceber que está duro e desempregado, em NY onde começa a nevar? Ele vai atrás da repórter. Quando enfim a encontra, sabe que foi vítima de um desses vírus que entra na caixa de endereços das pessoas e se espalha. Que situação, hein? Bom livro. Vai adiante, claro.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Eu não me interesso pelo que você faz

Essa é a infeliz conclusão de uma pesquisa revelada hoje pelo Datafolha e Fundação Getúlio Vargas, com 2.400 entrevistas feitas em 82 cidades do Estado de São Paulo. Notem bem, estamos nos referindo ao mais rico Estado do Brasil, com inúmeras ações, nas mais variadas esferas, federal, estadual, municipal, iniciativa privada, inúmeros espaços culturais, incluindo desde galerias até teatros, por exemplo, enfim, o resultado é desolador.
A grosso modo, 40% dos entrevistados não vai ao cinema, enquanto 60% não vai a teatro e 61% não vai a museus, misturando, basicamente, três motivos: não me interesso, não gosto e não me sinto bem fazendo. Antigamente, havia a crença em uma pressão social para que todos fôssemos cultos, bem informados e consumidores de Cultura. Respondiam, eu bem que gostaria, mas está tão caro, ou então, é tão longe de casa, mas hoje, nada disso. Hoje, a resposta é, sou cretino e tenho orgulho disso. Pior, 84% acha que as cidades deveriam ter mais espaços culturais, enquanto que 38% somente consome cultura quando viaja para outra cidade. Há outros números, como 97% ouve música em casa, 87% assiste filmes em DVD em casa, 71% acham que consome Cultura quando vai a shoppings, 68% lê livros (ééééé????) e 66% somente vai a festas. Ficou evidente, também o consumo doméstico, levado principalmente pela compra de filmes piratas.
Trazer os resultados da pesquisa para Belém do Pará nos leva para uma situação absolutamente desesperadora. Andei há semanas atrás pela Santo Antônio, coalhada de vendedores de Dvds piratas. Diria que 98% mistura filmes de sangue, violência, terror e pornô. Se é isso o que as pessoas consomem em casa, estamos feitos. Em termos de música, há uma alegria, no ar, tocando o brega mais pornô possível. Na questão de quem vai ao teatro, nem sei o que dizer. Hoje, felizmente, há muita produção local sendo apresentada, mas um público diminuto. Fiel, mas diminuto. O grande público se perdeu do Teatro. Há muitas razões, mas a falta de Educação e Cultura, espelhada em 16 anos de administrações desastrosas, refletem isso. Imaginem museus. Dois exemplos, o primeiro, o Teatro Cuíra, cem lugares. Estamos lá com As Gatosas. Felizmente os colegas jornalistas publicam reportagens. Mas quem está lendo jornais, hoje em dia? Estamos na televisão, mas as pessoas parecem temer se aproximar do Teatro local. Acham que é menor, ruim, amador. Só vão quando é no Teatro da Paz, com artista global. E nem querem assistir a peça, e sim fotografar o astro. Ou então vêm comentar que viajaram e foram todos os dias ao teatro. Outros logo perguntam se é comédia. "De problemas bastam os meus". E museus? Nosso próximo espetáculo, em novembro, é sobre o amor do Governador Magalhães Barata e Dalila Ohana. Para poder ver as roupas de Barata, junto com figurinistas e cenógrafos, tivemos uma longa negociação e procura, entre vários órgãos, até acharmos, no Museu do Estado, onde fomos muito bem atendidos. Tudo guardado, encaixotado. O museu de Barata, ridicularizado pelas pessoas que não sabem sua história, o significado de seu formato arquitetônico, está fechado há vários anos, sem qualquer previsão de retorno.
E temos Belém, temos o Pará, com zero de Cultura, governos do Estado e do Município que estão, perdoem o palavrão, cagando para a Cultura. Então, sinto-me, muitas vezes, quase sempre, pregando no deserto, mas continuando por acreditar no que faço. Está claro na cara das pessoas, "eu não me interesso pelo que você faz", mas e daí, eu acho importante. Agora me chega um email, enviado há muitos outros, onde a governadora Ana Júlia chama para uma "conversa sobre Cultura". Quá quá quá. Pois eu digo, desculpem, nem fodendo!

O inimigo agora é outro

Fui assistir Elite da Tropa 2, no Pátio Belém, no primeiro horário, 12.00 hs e me dei bem. Nem meia casa e tudo certo. À saída, já havia imensa fila para a sessão seguinte. Gostei muito como do primeiro. Muito bom roteiro. A Montagem, maravilhosa. Diálogos. Preparação de elenco. Fátima Toledo não precisa de atores. Cinema é feito de takes. Ela prepara a pessoa, seja com exercícios físicos ou psicológicos para que, no momento de filmar, esteja na pulsação, respiração, no clima necessário. E o clima, ali, é sempre intenso, olhos rútilos, maxilar travado, carótida saltando. Desta vez, Padilha quis mostrar algo mais recente, no Rio de Janeiro, mas extremamente atual: as milícias. Aconteceu há pouco tempo. Um ex policial, Secretário de Segurança, com uma rede que misturava políticos, governador, pms, detetives, policiais, expulsando traficantes e entrando com sua galera. Matando de maneira escandalosa, para todos verem e ficarem com medo. Todos se protegendo e ganhando dinheiro. Mas aí a casa começou a cair. O Secretário era Alvaro Lins, o Linho, cujo grupo de asseclas era apelidado de Os Inhos, pois se tratavam apenas por diminutivos. Houve dois jornalistas de O Dia que foram barbaramente torturados por se meterem onde não deviam. E um defensor de Direitos Humanos que acaba de se eleger com a segunda maior votação do Estado, de sobrenome Freixo, parecido com Fraga, do filme. Ou seja, para que trocar tiros com traficantes? Melhor é tomar conta de tudo. Sergio Cabral se reelegeu com facilidade. Ele e suas UPAs, nos morros cariocas. Mas a pergunta que fica é: quem está faturando o dinheiro da Gatonet? Ou todos deixaram de assistir tv a cabo pirata? Quem está faturando com o dinheiro da venda de botijões de gás? Por exemplo..
Mas é apenas um filme. Por ter tido tanto sucesso e agora mesmo já comemorar 3 a 5 milhões de espectadores, procuram em Elite da Tropa 2, um sinal para onde se dirigir. E é apenas um filme. Como cobrar de Bruce Willis pelos filmes que fez e faz, liquidando milhares, sem perguntar a razão? Já li em O Globo gente dizendo ser um filme fascista. Lá, Fraga, o defensor dos direitos humanos, mostra em uma palestra, que pela progressão da população brasileira, em comparação com os números crescentes de adolescentes presos, em 50 anos, seremos 570 milhões de brasileiros, e 520 presidiários, ou seja, apenas 50 milhões estariam livres.
Coitado do Coronel Nascimento, pois agora, sua mulher o deixou e namora, exatamente, o tal Fraga, defensor de Direitos Humanos, e enchendo a lata do seu filho. Há embate entre Nascimento e Fraga, a rejeição do filho, a virada de mesa, quando Nascimento é traído pela galera da milícia, o herói contra o sistema e por fim, a reconciliação com a mulher e o filho. E o final, dizendo que o inimigo agora é outro, ou seja, o inimigo é o Estado, o Sistema, o inimigo somos nós todos, com sobrevôo na Praça dos Três Poderes em Brasília. E olha que estamos em eleições. Talvez por isso tenham botado, contra a sua vontade, o nome do Padilha como artista apoiando Dilma. Padilha rejeita. Nem um, nem outro. Enfim, Elite da Tropa 2 é apenas um filme, mas é muito bom.

Se eu fechar os olhos agora

É o título do mais recente romance do jornalista Edney Silvestre, que embora conhecido por apresentar excelente programa de entrevistas voltadas para a Literatura na Globo News, acaba de conquistar um prêmio que o leva ao posto mais alto do setor, em 2010. Houve um momento em que quase fui chamado para o programa. Meus livros foram entregues à produção, pela Boitempo, mas sei lá a razão, não rolou.
Tendo em vista ser fã do programa, me apressei em ler Se eu fechar os olhos agora, que saiu pela Editora Record. São dois garotos que brincando em terreno baldio, encontram o cadáver de uma mulher que foi assassinada. Edney mistura em uma torrente de palavras a vida dos rapazes, a curiosidade que os move em relação ao crime, o encontro com um idoso em um asilo, estranhamente, também, interessado. Pouco a pouco, descortina-se uma grande armação, na pequena cidade, misturando sexo, pedofilia, chantagem e poder. Confesso que no final, quando há uma série de revelações, fiquei um tanto confuso, mas não há como elogiar o trabalho.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Sem dizer adeus

SEM DIZER ADEUS
Adaptar um livro não é fácil. É preciso encontrar o conflito, localizar dramaticamente os pontos certos. Dar dinâmica, encantar o público e acima de tudo, contar uma história e com ela, fazer a roda do mundo girar, seja o mundo, seja sua aldeia. A história de Dalila Ohana e a morte de Magalhães Barata conquista de início o público feminina que se deixa envolver pelas atitudes tomadas contra ela, que deseja apenas ficar ao lado de seu amor. E vice versa. Aos homens, a imagem de um líder que se fazia respeitar e era temido e aos poucos, alguém sem poder algum, de quem todos se aproveitam por diversos motivos.
Zê Charone e Cláudio Barradas formam o casal Dalila e Barata, eles que vêm de um feliz encontro em “Abraço”. A primeira em seu melhor momento, talento, experiência e beleza a serviço do teatro. O segundo, nosso maior ator, a própria história do teatro paraense. Zê apaixonou-se por Dalila. Cláudio, a reverência pura a alguém que conheceu quando foi redator em O Liberal.
Um estratagema interessante foi encontrado para a participação de outros personagens importantes do livro. Atores como Henrique da Paz, Olinda Charone, Saulo Sisnando, Flávio, André Mardock, Roni Hofstatter e Flávio Ramos surgem em imagens projetadas no cenário, contracenando com Zê e Barradas. Isso também acarretou um esforço extra para obter o sincronismo ideal para as cenas. Há também filmes mostrando Magalhães Barata em ação, seu enterro e até mesmo um áudio onde garante que sua doença é algo simples, que logo passará, feitos por Milton Mendonça e Líbero Luxardo, cedidos gentilmente pelo Museu da Imagem e do Som em edição e montagem de André Mardock. E música, em vários momentos, composta e arranjada por Edyr Augusto Proença, com execução de Luiz Pardal.
É como um sonho de Dalila, vista na primeira cena, sentada em um banco, abraçada ao livro, pensando. Uma adaptação livre que visa contar uma boa história, fazer justiça a uma mulher que amava seu homem e deixar ensinamentos.

Cuíra por Memórias

CUÍRA POR MEMÓRIAS
O Grupo Cuíra, prestes a comemorar 30 anos de atividades nas Artes Cênicas, passou a ocupar um casarão, na esquina das travessas Primeiro de Março com Riachuelo, no centro da cidade, desde 2006. O local tornou-se o Teatro Cuíra. Desde o primeiro dia, a força de sua localização e de sua história, fez-se sentir, de tal forma que o primeiro espetáculo gerado a partir daquele lugar se chamou “Laquê”, contando a trajetória da zona do meretrício que funcionou ali e ainda funciona, de maneira incipiente. Metade do elenco foi formado por moradores e profissionais do entorno. Depois, veio “PRC5 A Voz que Fala e Canta para a Planície”, sobre os 80 anos da Rádio Clube do Pará e a história desta Belém até o início dos anos 60, começou a ser contada. Chegou ao grupo o livro “Eu e as últimas setenta e duas horas de Magalhães Barata”, conquistando a todos, vindo a decisão de adaptá-lo sob o título “Sem Dizer Adeus”, com Zê Charone e Cláudio Barradas. História, história, história, de uma Belém que hoje não mais se reconhece. Um chão onde pisamos sem saber onde, como se cada geração inventasse um mundo novo, uma cidade nova. E não é assim.
Por isso, “Cuíra por Memórias”, um projeto longo, aprovado pela Lei Rouanet, patrocinado pela Petrobrás, que contará, até 2012, mais um pouco da nossa história. “Sem dizer adeus”, é parte disso tudo

Eu e as últimas setenta e duas horas de Magalhães Barata

EU E AS ÚLTIMAS 72 HORAS DE MAGALHÃES BARATA

Joaquim de Magalhães Barata, um dos politicos mais importantes da história do Pará, morreu como Governador em 29 de maio de 1959, vítima de leucemia. Um ano depois, sua companheira Dalila Nogueira Ohana lançou um livro chocante, relatando os últimos momentos do governador e, principalmente, um conjunto de ações conspiratórias, misturando ciúme, traição, ambição e maldade, que acabou por afastá-la do lado de seu amado, que morreu chamando seu nome.
Magalhães Barata foi casado oficialmente com Georgina de Oliveira Barata, tendo como filhas Jacyra Barata Araújo e Jandira barata Moura, além de Iberê e Ierecê, de outros relacionamentos. Separado desde 1930, iniciou relacionamento com Dalila Ohana em 1938, com quem viajou para servir no Paraná, Pernambuco e Paraíba. Voltou e elegeu-se Governador. Para evitar comentários em uma sociedade tão conservadora, ao invés de morar na residência official, alugou uma casa na Travessa Dr. Moraes, onde passou a viver com Dalila, que também evitou comparecer ao seu lado em qualquer cerimônia pública.
Quando Barata adoeceu, aos poucos passou a despachar em casa e por ultimo, não mais levantou da cama. Dalila teve a idéia de mandar chamar a ex-esposa, que morava no Rio de Janeiro, bem como as filhas, para uma despedida. Elas acabaram por exigir que saísse de sua residência, para que pudessem entrar. Desesperada, apelou para o Arcebispo Dom Alberto Ramos, que também exigiu sua saída, pela moral e bons costumes da Igreja. Vieram o Governador em exercício Moura Carvalho, o Senador Lameira Bittencourt e os Deputados Federais Armando Correa e Océlio Medeiros e exigiram sua saída por conta de pressões que seu Partido sofria.
Dalila saiu de sua casa de madrugada, às escondidas, atravessando para a casa de um irmão, que morava em frente, de onde acompanhou os acontecimentos, seja pelo rádio, seja por amigos que lhe relatavam o que ocorria. A ex-mulher e as filhas ficaram hospedadas em sua casa, ao invés de hotel ou a residência oficial. Quando pôde retornar, a casa havia sido como que saqueada, o que foi atestado pelo Dr. Aurélio do Carmo, que a acompanhou.
Dalila Ohana, pouco tempo depois, partiu para o Rio de Janeiro, onde morreu em 28 de março de 2001 em Niterói, onde morava em uma pousada. Durante esse tempo, voltou apenas duas vezes a Belém, muito rapidamente. Lançou em 1960, pela Livraria Freitas Bastos, Rio de Janeiro, “Eu e as últimas setenta e duas horas de Magalhães Barata”.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Bom Círio para todos

Acho que nunca perdi um Círio. Desde que nasci, morei no Edifício Renascença, na Presidente Vargas, na passagem da Santa. Acostumei, aos segundos domingos do mês de outubro, acordar com aquela barulheira, um frenesi no ar, foguetes nos estivadores e ao passar do quarto ao banheiro, já encontrar visitas animadas, falando alto. Meus pais contentes, recebendo amigos. Lembro de acompanhar a procissão com ele, duas vezes, talvez tenha sido mais. Em uma, fomos na contramão do fluxo até próximo à Santo Antônio. Ela passou e depois, seguimos atrás, até a sede do Clube do Remo, onde tomei um refrigerante, meu pai papeou com amigos e voltamos. Na maioria das vezes, meu pai estave em casa. É difícil, ainda hoje, dissociar o Círio de sua presença. Já na semana que antecedia o domingo, ele se mostrava entusiasmado com o movimento nas ruas. Ligava para desejar Bom Círio. Ficava preocupado se havia bebida, salgadinhos. Bebida, somente após a passagem da Dona da festa. Havia sempre um repórter da Rádio Clube para narrar os acontecimentos. Estava lá desde cedo, compenetrado, participando de flashes. E na hora de descrever a passagem, chorava. Amigos, parentes, artistas, todo mundo ia por lá. E nem bem a Nazica passava, alguém puxava o violão e todos começavam a cantar. Uma tia de minha mãe, bem idosa, aguardava um tempo, assim, teatral, e tocava, toscamente, um violão, para todos aplaudirem. Todo ano ela fazia isso. Acho que aguardava a data ansiosamente. Palmas para ela. As pessoas iam saindo e vinha o almoço. O Círio era meu pai, que compôs "Belém está tão bonita, é o Círio que chegou. Vejo caras, vejo gente, gente que nem sei quem é".. Lucinha Bastos gravou, creio.
Nunca acompanhei na corda. Acho que nunca fiz uma promessa, não lembro. Respeito quem faz, mas penso diferente. Penso que conseguir graças, alcançar objetivos, é coisa de pessoa boa, correta. Isso sim, é difícil. Isso é o certo. Enfim, penso assim.
Hoje estou de volta ao Renascença, em outro andar. Uma irmã é vizinha de minha mãe. Vão amigos, parentes, artistas. Menos. Meu pai era a grande figura. Há como que uma ausência que enche a casa inteira. Amigos vão em meu apartamento também no sábado, para a Trasladação. Mas no momento em que Nossa Senhora de Nazaré passa em frente ao prédio, estou ao lado de minha mãe, dos meus filhos, meus irmãos. É incrível como a cada palmo de asfalto que a berlinda vence, tanta energia seja dirigida para aquela imagem. O sol, a temperatura, as flores, as cores, formam como que um halo em que Nazaré está no centro. Ali, a mãe de Jesus, todas as Nossas Senhoras, recebendo e devolvendo tanta energia. Batem palmas, papéis picados caem dos prédios, cena bem teatral, super emocionante. Nunca perdi um Círio.
Aproveito para desejar a todos ótimos momentos com Nossa Senhora de Nazaré em seu passeio anual. É muito mais do que uma manifestação religiosa, algo que não consigo explicar. Tenho apenas a certeza que é bom, muito bom. Boníssimo. Saudades do meu pai querido.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

A Cultura no próximo governo

Vem aí o segundo turno para a eleição do governador no Pará e as pessoas que fazem Cultura e penso, todas as demais para quem a Cultura deveria ser de primeira importância, não sabem em quem votar. É preciso dizer que, tendo em vista os números vergonhosos, escandalosos, negativos de nosso Estado, em todos os quesitos como Saúde, Educação, Saneamento e Cultura, nenhum, repetindo, nenhum dos atuais candidatos, dos políticos em ação nos últimos 50 anos, tem o direito de pedir nosso voto. Mas como o fato é que temos eleição e escolhas a fazer, em quem votar?
Em Simão Jatene? Cantor, violonista e compositor, quando se elegeu sucedendo Almir Gabriel, parecia, finalmente, ser a redenção da Cultura, após oito anos do construtor de bibelôs. O grande poeta JJ Paes Loureiro já tinha sido votado, por artistas ligados à campanha, para ser o Secretário, ele que saindo da Seduc, criou o IAP, onde ficou isolado, meramente por estar na mesma área do bibeloseiro. Às vésperas da eleição, já contando com a vitória, Gabriel, em público, lançou o bibeloseiro para continuar sua "obra", na Secult. E assim foi. Pior, mantendo-o ali, Jatene fatiou os demais órgãos, de tal maneira que nos quatro anos de seu governo, cada setor atirava para um lado e ninguém acertava nada. A gestão continuou amadora e tudo piorou ainda mais. a gestão da Cultura precisa ser profissional, articulada, os órgãos funcionando interligados. Aqui, tudo ao contrário. Diante da ameaça da continuação do desastre, com a eleição de Gabriel, muitos chegaram a fazer campanha para Ana Júlia. O pessoal do PT sempre foi ligado à Cultura. Seus candidatos e políticos estão sempre nos shows, nas peças de teatro, enfim, agora vai. E Ana Júlia escolhe para Secult um obscuro vereador de sua ala no PT. Nos próximos quatro anos, sob a desculpa de um tal Plano Estadual de Cultura, ele percorreria o Pará de ponta a ponta, de tal maneira que se candidatou a deputado e se elegeu. Quanto à Cultura, de verdade, nada. O mais engraçado é que o discurso do novo deputado e do bibeloseiro é igual, dizendo que não vão paternalizar a Cultura, nem encher a pança das mesmas figuras de sempre. Essas figuras de sempre devem ser os idiotas que teimam em fazer Cultura neste Estado. Ana Júlia também manteve o critério de fatiar toda a área, com um gestor de diferente partido para cada órgão. E para estes, nada, ou seja, queriam cargo, têm, mas agora dêem seu jeito. Tudo amador, tudo com outro intuito. Gente que viaja pelo mundo e ao invés de aprender, desaprende. Ou então não vê nada. A Cultura é fonte de emprego, renda e impostos no mundo inteiro. Aliada ao Turismo, rende muito mais. É mais do que sabido. Não adiante repetir. Virou lenga lenga. Se Ana Júlia vencer, qual será o político novo em que vai apostar, colocando na Secult? E se Simão Jatene for eleito, virá o bibeloseiro? E qualquer deles que ganhe, manterá a Cultura fatiada, sem forças? Que situação. Tudo somente parece piorar.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

The Runaways

Não sei se já passou nos cinemas, mas assisti ao filme The Runaways, sobre uma banda feminina de rock and roll que agitou um bocado ali nos anos 80, creio. Seus discos saíram no Brasil, mas somente os mais espertos sacaram. Eu ouvi todos, facilitado por trabalhar em rádio em uma época em que as gravadoras entregavam discos em pacotes semanais. O grande lance das Runaways é porque veio quebrar o machismo do rock. Elas fizeram sucesso e também viveram o sucesso em todas as suas etapas. A história é a mesma, no caso delas, mulheres. Não cabiam em nenhuma turma, faziam música. Joan Jett encarou Kim Fowley, um super produtor de pop e ele percebeu a jogada da banda feminina. Juntou Joan com Lita Ford e depois achou que precisavam de uma mulher sedutora como cantora. Achou Cherie Currie. Elas foram para a estrada e rolou de tudo. Sexo, drogas e rock and roll. Cherie não aguentou e saltou fora. A banda ainda continuou algum tempo. Joan Jett curou a ressaca e veio com seus Blackhearts e fez ainda mais sucesso. Lita Ford tentou mas não deu. Ponto. O filme é fraco. Não conseguem a atmosfera. Nem contam o começo, nem o meio, nem o fim. Mulheres bonitas e não temos nudez. Me poupe. Não é querer dar uma de macho, estou dizendo do que devia ser. Joan, sapato, ficou com Cherie e passam apenas uns beijos. Mas drogas, cheiradas, tem de monte. O que você prefere? Ver gente cafungando ou mulheres nuas? Kristen Stewart faz Joan, Dakota Fanning faz Cherie. O ator que faz Kim é bem esforçado. Não achei um filme rock and roll. Ah, hoje, Cherie trabalha em uma clínica para viciados, como orientadora. Ela teve muita dificuldade em largar. O som das meninas era bom, somente isso.

A Parede de Roger Waters

Eu estava muito bem instalado no Estádio do Morumbi, São Paulo, quando Roger Waters começou a tocar um dos clássicos de "Dark side of the moon". Estava de pé, procurei chegar mais próximo, tentei filmar em máquina tosca, pensei em pedir a um dos seguranças, que filmasse um pouco para que eu pudesse assistir sem nenhum filtro, aquilo que minha mente queria guardar. Aquele negócio em que perdemos o melhor dos acontecimentos por conta de uma filmadora onde assistiremos, mais tarde, o que era tão importante. Pois é, quando olhei ao lado, para o segurança, ele também filmava e cantava a plenos pulmões. E logo adiante, os helicópteros soavam naquele estádio enorme, o pig inflável estava sob nossas cabeças e eu confesso, chorei de emoção. A diferença brutal entre o momento em que ouvi aquele som pela primeira vez, em vinil, em Belém do Pará, absolutamente distante de tudo e agora, à minha frente. Como o Pink Floyd nunca teve em seus integrantes, músicos performáticos, suas apresentações, no início, apostavam em projeções psicodélicas, até Waters enveredar por ilustrações mais teatrais, digamos. Então veio "Wish you were here", como uma obra inteira, já usando problemas pessoais de seu autor com citações de Syd Barrett e transbordou tudo em "The Wall". Roger hoje diz que ele e David Gilmour cresceram muito em direções opostas e foi fatal haver um choque de opiniões. Os demais companheiros não estavam muito interessados. E Roger fez quase tudo em "The Wall". Gravavam em estúdios diferentes, nos EUA. Ele, sempre, contratando músicos, côros, pensando no show, em como fazer, chamando Gerald Scarf com seus desenhos, agora tridimensionais. "Another brick on the wall", que alguém sugeriu a batida da galera do Chic e foi super acertado, dando a eles um super hit. E no meio da briga, o produtor Bob Ezrin pega os tapes e se tranca em casa, no estúdio particular, de onde volta com uma sequência, uma ordem das músicas. O magistral solo de David Gilmour em "Comfortably Numb", saibam, foi feito de prima. Houve poucos shows. Tudo era muito caro. E as brigas. Ainda veio um último disco, novamente com Roger no comando e tchau. Brigas judiciais, a volta do PF sem Waters. Seus discos solo. Seu retorno no Live Aid. Agora, Roger Waters está mostrando "The Wall", pelo mundo. Tomara que venha por aqui. Gilmour disse que fará o solo de "Comfortably.." em algum dos shows.
E o que é "The Wall". Uma mistura das angústias de Roger, que perdeu o pai quando ainda tinha cinco meses de idade. Ele morreu na Batalha de Anzio, Segunda Guerra Mundial. Aos colegas, Roger dizia que o pai ainda voltaria. Pediu à mãe para ir buscá-lo em Anzio. As angústias de Syd Barrett, envolvido na bruma entre as drogas e a veneração dos fãs. E suas angústias como artista pop, a quem todos vêem como um deus, todos querendo tirar um pedaço e ele é apenas um ser humano frágil, mas que, do alto daquele palco, pode se tornar um ditador. É curioso que Roger tenha tanta admiração pelo primeiro disco solo de John Lennon, que traz "Mother", e uma das canções mais expressivas de "Wall" seja, justamente, "Mother".
É o que se escreve depois de "pensar alto". Acabei de ler uma entrevista de RW à Rolling Stone americana. Gosto dele. De sua música, o ambiente, teatral, com sons do dia a dia, como também fez o Sparklehorse. Acho que vou ouvir "The Wall"