Lembro de meu pai, um dos
maiores contadores de anedotas que vi em ação. É preciso saber dosar as
palavras, a pontuação, a melodia sendo o detalhe mais importante. Ser ator,
sim, saber mostrar um personagem com mudança no tom da voz, talvez um ou outro
movimento do corpo e no ritmo certo, chegar ao final retumbante. Meu pai tinha
a mania de dar pequenos tapas ao final, nos ombros daqueles que ouviam a piada.
Era um arremate, um chamamento, uma provocação ao riso, que era o aplauso. Eu o
assisti, seja em anedotas “familiares”, seja nas mais sujas e impublicáveis,
estas, contadas em círculos masculinos, a maioria das vezes nas rodas que se
formavam após trabalhar transmitindo alguma partida de futebol. Uma dessas
piadas, antiga, tentarei contar. Claro, a voz, os gestos, tudo isso fica
faltando. É necessário também não fazer análise crítica sobre os
acontecimentos. Procurar nexos, precisões, enfim. Será que vão gostar?
Aristides era um boêmio.
Conhecido em todas as boates que percorria durante a semana. Em casa, no
entanto, portava-se como um santo. À mulher, compreensiva, queixava-se que
tinha o azar de ter agradado ao chefe. Que este o sobrecarregava de obrigações.
Tinha serão quase todos os dias. Isso está me acabando, querida, choramingava.
Mas certo dia, sabendo que o aniversário da esposa estava chegando,
antecipou-se e a convidou para comemorar pegando um cineminha, ou jantar bem
cedinho, enfim, querida, é o jeito, porque já fui convocado por este maldito
chefe! Tide, eu não quero nada disso. Poxa, há quanto tempo a gente não sai e
vai a uma boate, dançar agarradinho, tomar algumas e depois voltar para casa e
fazer um amorzinho gostoso? Aristides tentou evitar. Querida, essas boates,
hoje, são um antro de marginais, vagabundos e prostitutas perigosas. Eu tenho
até medo de me aproximar delas. A gente nunca sabe. Não preferes um jantarzinho
gostoso, com aquele prato que tu adoras, ou então um filminho desses
românticos? Não, Tide. Dessa vez eu quero ir a uma boate! Mas querida, pode ser
perigoso. Você é uma mulher educada, de nível, pode ficar chocada com o que
pode ver? E como tu sabes disso, Tide? Trabalhas que nem um cavalo e não te
divertes também, não é? Pois eu já decidi. Vamos a uma boate. Se não for assim,
também não quero mais nada. Aristides, desesperado, teve de concordar. Pensou
em uma casa noturna na qual já não ia há muito tempo. Quem sabe, não seria
reconhecido. Os problemas começaram na chegada. O porteiro abriu a porta do
taxi, solícito. Aristides, meu querido, há quanto tempo! Pensei que tivesse
esquecido da gente! A mulher perguntou o que era aquilo. Respondeu que era
alguma confusão. Na porta, o maitre abriu o sorrisão. Aristides, mon ami! Vou
te levar pra tua mesa de sempre, reservada! Foram para a mesa. Trago aquele
drink famoso que leva teu nome? Apreensivo, Aristides disse que queria apenas
uma cerveja. Passou a moça que vende bombons e cigarros. Tidinho, querido, vai
me dar aquela gorjeta de sempre, hoje? Fez que não ouviu. A mulher, no entanto,
já começava a tufar de raiva. Quando a cantora disse que ia cantar aquele
bolero que a gente gosta de ouvir e namorar, ela explodiu. Sacripanta,
mentiroso, patife! Todo esse tempo me enrolando com essa história de serão! Tu
vinhas era para a farra! E começou a dar bolsadas no Aristides que, cabisbaixo,
levantou e se encaminhou em fuga para a porta. Luzes acenderam. E a mulher
gritando e batendo. Entraram no primeiro taxi que viram. Rodaram uns dois
quarteirões. A mulher batendo e xingando. O motorista freia o carro: Porra
Aristides, bota pra fora essa puta maluca e vamos procurar uma melhor! Mais não
conto por ser muito traumático...