sexta-feira, 17 de novembro de 2017

O LUGAR DA EMOÇÃO

Estava ouvindo o último cd de Guinga, com o Quarteto Carlos Gomes e devaneando, pensando na emoção que seria ouvir músicas de minha autoria, a maioria trilhas de teatro, por um quarteto de cordas. Uma de minhas melhores recordações foi assistir, no Teatro da Paz, Nilson Chaves e Vital Lima, cantando e sendo acompanhados por uma orquestra. A casa de meus pais sempre esteve envolta em música. Havia discos em 78rpm e ouvíamos algumas árias lindas e inesquecíveis. Adiante, apaixonado pelo tal rock progressivo, após Emerson, Lake & Palmer gravar “Quadros de uma Exposição”, de Mussorgsky, corri para ouvir o original. Fui atrás de “A Sagração da Primavera”, de Stravinsky, após o Yes abrir seus concertos com um trecho.

Não queria ser David Gilmour, que inventou e gravou o solo de “Comfortably Numb”, clássico do Pink Floyd em “The Wall”, mas queria ser o guitarrista trazido por Roger Waters, que assisti em São Paulo. Do alto de um cenário onde estava o “muro”, ele sola deliciosamente, apaixonadamente para profunda emoção de todos os que ouvem e assistem. A construção da cena é perfeita e atinge nossos corações. Me pergunto a respeito da emoção pessoal desse músico, que executa com maestria, várias vezes, nos shows realizados, o tal solo. Lá em cima, sentindo o vento da noite, iluminado por potentes holofotes e tendo abaixo uma multidão emocionada, será que ele sente arrepios ou apenas executa profissionalmente, com precisão? Uma vez, em NY, assistia ao musical “Tommy”, na primeira fila. Dava para ver, no fosso, os músicos da orquestra. Entre eles, uma violinista, que lia um livro, até aguardar seu momento de tocar, o que fazia perfeitamente. Qual o distanciamento ideal para o artista, porque sem emoção, tudo vira automático e o público, mesmo sem perceber, sentirá. Um ator, muitas vezes, durante a peça que interpreta, “assiste” ao público. Sabe quem está dormindo, bocejando, conversando. Mas são momentos em que sabe que pode fazer isso. Sabe dosar. Quando vem aquele momento em que é necessária a emoção, ele tem técnicas para buscar dentro de si a motivação que encantará a plateia. Não sou músico. Se estivesse no alto do cenário de “The Wall”, aguardando para solar “Comfortably Numb”, provavelmente cairia lá de cima, as pernas tremendo, o coração pulsando, os olhos lagrimando de emoção. E o músico? Tanto no show quanto na peça de teatro, repetem as mesmas notas e textos, mas cada noite, cada show, é diferente. Somos humanos. Temos motivações diárias e particulares. O público também vibra diferente, em conjunto. Dizem que a plateia de sexta é curiosa, a de sábado é crítica e a de domingo é ótima. Eu fazia sonoplastia em “Toda minha vida por ti”, do Cuíra, dirigida por Cacá Carvalho. Havia o que chamamos de “golpe teatral”. Magistralmente, ele preparou uma cena intensamente hilariante, seguida de outra, profundamente emotiva. Trabalhamos em conjunto. Atores, iluminação e som. Naquele instante, tal como no show de Nilson Chaves, no TP, lembrei de meu pai, que havia morrido há pouco tempo e me emocionei. No palco, um dos atores, por exemplo, dizia palavras bonitas, mas objetivamente, para ele, sem que o público soubesse, estava repetindo uma cena pessoal e emotiva, de sua vida. Assim, havia organicidade em sua fala. A plateia que ria, agora chorava. Onde colocar a emoção? Pensei nisso e resolvi dividir com vocês.