Uma das melhores qualidades de
um escritor é a observação. Em qualquer lugar que estamos, ficamos sempre à
espreita, sobre o comportamento das pessoas, a melodia das palavras para
entender o real sentido e suas reações. Muito cedo isso aflorou em mim.
Crianças, estávamos no Lago Azul, antes de se transformar no condomínio de luxo
que é hoje. Minha avó era a motorista. Ao ligar o carro, a bateria não
respondia. Era preciso empurrar. Eu e meus irmãos precisamos da ajuda do
caseiro, Seu Otávio, caboclo forte, destemido e gentil. Ficamos naquela de um,
dois, três e já! E ao iniciarmos a ação, ouvimos aquele ruído de gases sendo
expelidos. Na estupefação geral, Seu Otávio, gentilíssimo, sincero, exclama:
Ôpa fui eu.. Na exclamação, estava o respeito pelos “branquinhos”, a admissão
de culpa, antes que qualquer um fosse acusado, e sua humildade. Nem precisava,
claro, mas era assim naquele tempo. Tudo causou grandes risadas, enfim.
E aquele produtor que viajava
pelo interior do Pará e achou de almoçar nessas tendinhas à beira do rio, onde
a higiene passa longe e as moscas voam em formações de esquadrilha. Almoçou sem
perguntar muito, porque a fome era maior que qualquer especulação. Quando
acabou, deixou escapar, quase sem querer, para a mulher que além de cozinhar,
lavar, servir, ainda tinha ao colo uma criança que tentava mamar a qualquer
custo: Por favor, a senhora poderia retirar logo o meu prato da mesa? Quando
acabo de comer, não suporto ficar com o prato sujo à minha frente. A mulher o olhou
demoradamente, ao redor, ao ambiente todo, estendeu a mão, retirou o prato e
exclamou : hummmmm... Embutido nisso estava o absurdo de, naquele lugar,
naquelas condições, após ter devorado sua comida, agir como se estivesse em
restaurante cinco estrelas. Também poderia ter exclamado :Tá, cheiroso..
No grupo de amigos com quem
jogo futebol nos finais de semana, tenho um amigo com grande humor. Grande,
zagueiro desses tipo “assim como ela vem, ela volta”, metendo medo nos
atacantes que fogem logo para uma das pontas do campo, é um ótimo imitador de
outros colegas, dá apelidos, faz comentários pérfidos durante o jogo, e é de
uma honestidade exemplar. Escala os times e ninguém se dá ao luxo de contestar
uma leve pendência, na escalação, para a equipe em que irá jogar. Não me
perguntem a razão, porque nem a explicação consegue fazer ninguém entender, mas
todos os sábados, precisamos ir ao clube ali pelas seis da manhã, para assinar
uma lista e jogar à tarde. Por favor, sem explicações. Após isso, vamos sempre
a uma padaria que fica na rua ao lado, para tomar café. Com sua voz de registro
incomum, fica livre para fazer comentários jocosos, apelidar, enfim, o seu
melhor. Uma das provocações é quanto ao proprietário. Quando quer pedir água
mineral, pede dizendo que se trata de água retirada da piscina infantil do
clube, que fica ao lado. O atingido pela acusação nem olha, só faz rir. É mais
uma das brincadeiras de sempre. Eu, no entanto, dessa vez, estava observando os
presentes, como recebiam essas brincadeiras todas. Me fixei em uma senhora, que
estava no caixa e que, desde o começo das piadas, tinha um olhar reprovador no
semblante, chegando a cochichar com outros atendentes. E na hora de irmos
embora, meu amigo, com todo seu tamanho, vai até o proprietário, o abraça, e
diz que gosta muito dele. Lá do fundo, atrás do balcão, escuto a exclamação:
Rá!