sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Uma das melhores qualidades de um escritor é a observação. Em qualquer lugar que estamos, ficamos sempre à espreita, sobre o comportamento das pessoas, a melodia das palavras para entender o real sentido e suas reações. Muito cedo isso aflorou em mim. Crianças, estávamos no Lago Azul, antes de se transformar no condomínio de luxo que é hoje. Minha avó era a motorista. Ao ligar o carro, a bateria não respondia. Era preciso empurrar. Eu e meus irmãos precisamos da ajuda do caseiro, Seu Otávio, caboclo forte, destemido e gentil. Ficamos naquela de um, dois, três e já! E ao iniciarmos a ação, ouvimos aquele ruído de gases sendo expelidos. Na estupefação geral, Seu Otávio, gentilíssimo, sincero, exclama: Ôpa fui eu.. Na exclamação, estava o respeito pelos “branquinhos”, a admissão de culpa, antes que qualquer um fosse acusado, e sua humildade. Nem precisava, claro, mas era assim naquele tempo. Tudo causou grandes risadas, enfim.
E aquele produtor que viajava pelo interior do Pará e achou de almoçar nessas tendinhas à beira do rio, onde a higiene passa longe e as moscas voam em formações de esquadrilha. Almoçou sem perguntar muito, porque a fome era maior que qualquer especulação. Quando acabou, deixou escapar, quase sem querer, para a mulher que além de cozinhar, lavar, servir, ainda tinha ao colo uma criança que tentava mamar a qualquer custo: Por favor, a senhora poderia retirar logo o meu prato da mesa? Quando acabo de comer, não suporto ficar com o prato sujo à minha frente. A mulher o olhou demoradamente, ao redor, ao ambiente todo, estendeu a mão, retirou o prato e exclamou : hummmmm... Embutido nisso estava o absurdo de, naquele lugar, naquelas condições, após ter devorado sua comida, agir como se estivesse em restaurante cinco estrelas. Também poderia ter exclamado :Tá, cheiroso..

No grupo de amigos com quem jogo futebol nos finais de semana, tenho um amigo com grande humor. Grande, zagueiro desses tipo “assim como ela vem, ela volta”, metendo medo nos atacantes que fogem logo para uma das pontas do campo, é um ótimo imitador de outros colegas, dá apelidos, faz comentários pérfidos durante o jogo, e é de uma honestidade exemplar. Escala os times e ninguém se dá ao luxo de contestar uma leve pendência, na escalação, para a equipe em que irá jogar. Não me perguntem a razão, porque nem a explicação consegue fazer ninguém entender, mas todos os sábados, precisamos ir ao clube ali pelas seis da manhã, para assinar uma lista e jogar à tarde. Por favor, sem explicações. Após isso, vamos sempre a uma padaria que fica na rua ao lado, para tomar café. Com sua voz de registro incomum, fica livre para fazer comentários jocosos, apelidar, enfim, o seu melhor. Uma das provocações é quanto ao proprietário. Quando quer pedir água mineral, pede dizendo que se trata de água retirada da piscina infantil do clube, que fica ao lado. O atingido pela acusação nem olha, só faz rir. É mais uma das brincadeiras de sempre. Eu, no entanto, dessa vez, estava observando os presentes, como recebiam essas brincadeiras todas. Me fixei em uma senhora, que estava no caixa e que, desde o começo das piadas, tinha um olhar reprovador no semblante, chegando a cochichar com outros atendentes. E na hora de irmos embora, meu amigo, com todo seu tamanho, vai até o proprietário, o abraça, e diz que gosta muito dele. Lá do fundo, atrás do balcão, escuto a exclamação: Rá!

Nenhum comentário: