sexta-feira, 18 de novembro de 2016
GRIS
É
fato que o calor só faz aumentar, mas já começam as manhãs gris, anunciando a
chegada do inverno e do fim do ano. Ando pelas ruas e passam por mim
estudantes, ainda de uniforme, mas felizes, certamente tendo acabado de sair de
provas, comemorando a chegada das férias. Lembro de como era feliz quando ainda
estudante. Quase sempre passando por média, acordava, como dizia o saudoso Rui
Barata, para “o que ocorrer”. Pegava a bicicleta e partia para meu playground
que era a Praça da República. Lá encontrava colegas, também de bicicleta e
passeávamos descobrindo tesouros ou mesmo, brincando do que chamávamos de
“tranca”, que significava trancar o adversário e ali permanecer, juntos,
parados, mantendo o equilíbrio, para ver quem caía primeiro. Mais além, a casa
de meu grande amigo Abílio, onde decidíamos o assunto do dia. Podíamos procurar
outros moleques para jogar petecas. Ou ainda esticar até o colégio, onde muitos
ainda faziam provas, mas sempre havia a oportunidade de jogar um futebol.
Podíamos jogar botão. Chamamos os outros colegas para um grande torneio. Claro
que meu time era o Flamengo. O hoje respeitável doutor Sérgio Zumero decidiu
disputar com o Clube do Remo. Tudo bem. Era sua vez. Espalhou os botões sobre a
mesa. A mim cabia irradiar a contenda. Ao divulgar a escalação do time, lá
estava, de centro avante, a foto de Sérgio. Contestado, exigiu sua presença, no
comando do ataque. Foram horas e horas de debate. Não sei ao certo quem ganhou.
Mas foi muito criativo. Certa vez, descendo a Governador José Malcher, por
algum motivo, tinha a caderneta escolar em mãos. Conferindo as notas, percebi
que em uma matéria, apesar de ter notas para passar direto, havia a exigência,
estúpida, de assinar a prova final. E eu estava de calção, chinelas, enfim,
figurino de férias. Pior, a prova seria naquela manhã. Acompanhado de minha mãe
e após longa negociação, permitiram que fizesse a tal prova. No mais, a falta
de compromisso era a tônica. Quase sempre, havia um disco dos Beatles sendo
lançado e invariavelmente, meu irmão Edgar já o tinha. Solenemente, sentávamos
na sala de estar do apartamento e o ouvíamos contritos. Lá pela décima vez,
nossa mãe protestava, mas a essa altura, já estávamos à frente de um espelho,
tentando dublar as músicas. As mãos seguravam uma guitarra imaginária. Pobre de
mim, irmão mais novo. A mim cabia sempre a segunda voz, quase sempre um George
Harrison, afinal, o mais velho era Paul ou John nos grandes hits. Nessas manhãs
gris, chego no trabalho e coloco Beatles para ouvir. E todas as memórias desabam
no colo. E você? Tem alguma lembrança dessa época feliz de estudante? E com a
caderneta nas mãos, com a aprovação comprovada, descia até o Comércio, no
prédio em que funcionava o Basa, em que meu pai trabalhava. A busca era por uma
recompensa. Imagino, hoje, seu constrangimento em ambiente de trabalho por
aquele moleque a apresentar seus resultados e a exigir algum presente.
Primeiro, franzia o cenho e dizia “não fez mais do que o seu dever”. Depois
sorria, metia a mão no bolso e da surrada carteira tirava algum dinheiro para
que eu fosse até a “Quatro e Quatro”, fazer um lanche, o que era uma grande
novidade. Como era bom. Sei perfeitamente que o tempo passa e a garotada de
hoje deve ter outras prioridades, mas quanto a mim, sinto a tristeza por ter ficado
velho e com tantas responsabilidades. Aproveitem, tenho vontade de dizer.
Aproveitem.
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