sexta-feira, 25 de setembro de 2015
SCHMIDT
Quando
chegamos a Paris de TGV e saiu aquela fila longa de escritores e suas malas, se
despedindo, me dei conta de onde cheguei com meus livros. Parece engraçado,
quando lembro de estar na janela de meu apartamento, pensando no próximo
capítulo que ia escrever. E em seguida, estou chegando de Besançon, onde foi
realizado “Les Mots Doubs”, que eles pronunciam “Lês Mô Du”. Já é o décimo quarto
festival de literatura promovido pela cidade, que tem uns 150 mil habitantes,
mas uma prefeitura bastante ativa, estando anunciados festivais de música,
teatro e até exposição de cães. Os franceses brigam muito na política, mas o
país é o que se pode dizer de quase pronto. Toda uma estrutura funciona.
Transportes, segurança (há sempre viaturas rodando, atentas), saúde, cultura,
enfim, eles brigam pelo aperfeiçoamento. De Paris a Besançon, duas horas e meia
de TGV. Um hotel muito bom, cheio de peças modernas, imagino até que foi
projetado por Philippe Starck. A cidade é antiga, conservada, o comércio se
adaptou à arquitetura. Tudo limpo, ônibus novos, outros, elétricos, gente
feliz. Deu para ir a pé até o Festival, em um parque lindo, muito verde, rio
limpo e então fomos trabalhar. Sim, os caras mandam buscar mas os escritores
trabalham! Atendemos ao público, vendemos e assinamos livros sem parar. Fiz
amizade com dois franceses de HQ, um faz o texto, o outro desenha, na linha do
Asterix. Evitei comentar, sabe lá. São vários balcões onde cada autor fica
sentado, em frente ao monte de livros de sua autoria. As pessoas vão passando,
perguntando, conversando, comprando. Apareceu um casal capixaba. Moraram em
Besançon por anos, retornaram para Vitória, ela se aposentou e voltaram.
Francisco, quer ser chamado por Francis. Ela é Etel. Ele com um sotaque forte,
quase que eu fazia um hummm.. Leram meu nome e foram procurar o brasileiro.
Está na hora de participar de uma conferência, com o tema “Um mundo noir”.
Comigo, Sam Millar, irlandês e Todd Robinson, americano. Mais de cem pessoas na
plateia. Tive problemas. Minha intérprete não era profissional. Ensina
português para franceses e vice versa, na universidade local. Mas servir de
intérprete é bem diferente e difícil. Disse frases curtas para facilitar. Mas
do meio em diante, optei por inglês. Ela estava muito nervosa. Os colegas
ajudaram. Millar contou dos problemas dos irlandeses com ingleses, coisa
vergonhosa, que ainda acontece. Todd foi porteiro e segurança de boate em
Boston e conta tudo o que viu. Eu ainda falo do “Casa de Caba”, meu último
lançamento por lá. No fim, deu tudo certo. Apesar de escrevermos livros
“fortes”, somos todos boas pessoas. Fiz amizade com uma escritora chinesa, Yium
e um turco chamado Hakam Gunday. Ela mora em San Francisco. Ele mora em
Istambul. Conversamos sobre tudo. Hakam contou que por lá veneram aquele
jogador Alex, que atuou no Fenerbaçe. Fica chateado quando perguntam se sua
cidade é perigosa. Imaginem se viessem a Belém.. O que nos divertiu, mesmo, foi
um escritor francês, penso que seja figura midiática. Baixinho, entroncado,
careca e com um enorme sorriso, logo na sexta feira formou uma longa fila de
fãs. No sábado, pela manhã, outra. Sobraram uns doze exemplares. Nós ali
batalhando, ele já tinha ido embora. E ainda vinham perguntar onde estava
Schmidt. Só nos restava rir bastante. O cara realmente arrebentou em Besançon.
sexta-feira, 18 de setembro de 2015
IT'S SHOWTIME!
Eu
estava no ginásio da Ufpa lá pelo começo dos anos 70, na arquibancada,
aguardando o início do show. O Som Imaginário, com todos os gênios que
conhecemos, inicia um estrondo uníssono. O som vai reverberando e então surge
Milton Nascimento e canta “chegou no porto um canhão”. Sinto uma corrente
elétrica atravessar o corpo. A plateia vibra. Claro, havia insinuações
políticas, mas para mim, valeu a emoção. Nunca esqueci. Estava ouvindo no
carro, pela enésima vez a abertura do “Get Yer Ya Ya’s Out”, dos Rolling
Stones, ainda com Mick Taylor na guitarra. O apresentador se esgoela, a plateia
vibra, Jagger diz alguma coisa, aproveitando para testar o microfone e lá vem “Jumpin
Jack Flash”. Querem um início de show melhor que esse? Impossível ficar parado.
Quem estiver ao lado do meu carro, talvez perceba que ele esteja balançando.
Como as aberturas dos shows de Michael Jackson, com fogos, projeções, metais em
fogo e lá está ele, esguio, dançando. Não dá para esquecer. Agora o show é de
Joe Cocker, Mad Dogs and Englishmen, que virou filme, final dos anos 70, todos
em um avião circulando pela América, troupe de hippies, mulheres e filhos. Leon
Russel nos arranjos e piano. E eles iniciam uma abertura espetacular, com os
metais ardendo, bateria, guitarra, piano, até que surge Cocker e o som
encaminha para Honky Tonk Women. E não posso esquecer do final de show de
Jackson Browne, e a música que fala dos técnicos que chegam antes e são os
últimos a deixar o palco. E da estrada, pois enquanto todos já dormem
tranquilos em suas casas, os caras já estão a caminho de outra cidade. O King
Crimson, com Fripp calado, soturno, alguns toques aqui e ali para saber se está
tudo ok e lá vem desmoronando com tudo um prédio inteiro na imagem de
“Twentieth Century Schizoid Man”. Cara, não dá para resistir. Lembrei agora do
primeiro show de Jimi Hendrix Experience, no Festival de Monterrey. Ele que
circulava pelo país anônimo, foi para a Inglaterra e agora retornava chamado de
deus. Tímido, desconhecido, ele dá os primeiros toques do riff e explica que
está afinando a guitarra e que vai tocar algo que todos ali conheciam, autoria
de um certo Bob Dylan. E lá vem desabando com tudo em “Like a Rolling Stone”.
Esse show chegou até mim em um vinil com lados diferentes, um com Otis Redding
e outro com Jimi. É ouvir e ser nocauteado, tão bem feito é o som. Noel Redding
segurando a onda e Mitch Mitchell socando seus tambores. O próprio Roberto
Carlos, mesmo melado de todo o castelo de doces que está sempre cercado, quando
canta “Emoções”, é bem interessante. Lembro de um show de Nilson Chaves, no
Teatro da Paz, acompanhado de orquestra. Todos aguardando um início retumbante,
cheio de cordas e ele vem pela entrada do público, cantando a cappela,
lentamente, percorrendo a plateia até subir no palco, aplaudido delirantemente.
Fico
pensando no que se passa na cabeça de um artista assim, já acostumado às
ovações, talvez com um certo enfado de, noite após noite, repetir o mesmo show.
Há o lado profissional, que faz com que todos façam o máximo, até porque é
impossível não reagir às grandes plateias, apaixonadas, cantando os hits. Essas
bandas que brigam por motivos alheios e se apresentam sorrindo, um para o
outro, de mentirinha. Os que tomam alguma coisa para manter a emoção e o
embalo. It’s showtime! Um frisson percorre os corpos. Que comece o show!
sexta-feira, 11 de setembro de 2015
NÓS, OS INVISÍVEIS
É a
segunda vez que escrevo sobre esse assunto. Na quarta passada, lancei meu sexto
romance em edição nacional para a Boitempo Editorial, chamado “Pssica”, que
felizmente está sendo extremamente bem recebido em São Paulo e Rio de Janeiro,
onde é maior o consumo de Literatura. Na próxima semana, volto à França, para
um festival, ainda por conta dos três livros traduzidos e lançados por lá pela
Asphalte Editions. Na volta, fico em São Paulo para mais atividades. Devo ir à
Bienal de Pernambuco. Estou muito contente pela boa receptividade à noite de
autógrafos, na Livraria da Fox. Devo isso à divulgação do “Pssica”, dos prêmios
europeus e, como não dizer, à presença semanal em O Diário do Pará. Não posso
esquecer que também, semanalmente, republico a crônica em mídia social. Talvez
pudesse dizer que devia estar satisfeito. Para o que alcancei, como querer
mais? Quero mais. Vivo no Pará. Em Belém. Todo meu trabalho foi feito a partir
da cidade e seus arredores, mesmo em outros gêneros, como poesia, contos,
teatro e jornalismo. Gostaria de não ser invisível em minha própria cidade.
Esse é um problema meu e de todos os outros que militam na Cultura. Todas as
áreas. Mas particularizo, aqui, a Literatura. Recebo grandes elogios nos
maiores jornais brasileiros. Mas isso não é motivo para entrar em uma Saraiva,
ou na livraria do Pátio Belém e encontrar meu livro, lançado nacionalmente, à
venda. Um autor paraense frequenta essas livrarias como um anônimo. Ninguém
sabe quem é. Ninguém está interessado. Uma repórter me entrevista e depois,
curiosa, pergunta se sou irmão do Edgar Augusto. É que achei o nome parecido,
diz. Meu irmão mais velho milita nas diferentes áreas da Mídia de maneira
excelente e merece todo o reconhecimento. Mas penso que depois de escrever
dezesseis livros, escrever outras tantas peças de teatro, escrever semanalmente
em jornal, receber prêmios internacionais, essa repórter, que deve trabalhar na
editoria cultural, devia saber quem sou. Não sabe. Se não sabe de mim, imagine
dos outros. Não temos política cultural do Estado. Pior, muito pior, não temos
nada do município. Nossa arte talvez seja vista como uma excentricidade.
Escrevemos um livro, lutamos para publicar, na maioria das vezes com nossos
recursos. Na noite de autógrafos, recebemos a família e os amigos. E depois?
Dos colegas de imprensa, só tenho a agradecer. Mereci toda a atenção nos
diversos meios de comunicação. Lamento pelo Liberal, certamente não divulgando
porque escrevo no Diário. Que pena. É a segunda vez que escrevo sobre nossa
invisibilidade. Na abertura da FLiPa, Feira Literária do Pará, ano passado,
perguntei à plateia se nos estava vendo. Estávamos ali, escritores, expondo
nossos trabalhos. É que nos outros dias, ninguém sabe quem somos. Escritores
como Haroldo Maranhão e Adalcinda Camarão, expoentes da nossa Cultura, estão
esquecidos. Escritores de todas as idades esperam um aceno para lançar
trabalhos, mas principalmente, para se tornarem visíveis. Leio entrevistas. As
dicas de leitura. A maioria, best sellers ou auto ajuda. Nada do Pará. O
resultado de tudo isso está na violência, no analfabetismo funcional, na falta
de horizontes sobretudo dos mais jovens, nas letras bisonhas do funk, nas
pichações e nas postagens em facebook com flagrantes erros de gramática. Sou
invisível em minha própria terra. Eu e todos os colegas que fazem Literatura.
Que fazem Cultura no Pará. Quando isso terá fim?
sexta-feira, 4 de setembro de 2015
JIMI HENDRIX, NOVAMENTE
Jimi Hendrix mudou a minha
vida. Tinha uns 13 ou 14 anos quando meu irmão Edgar chegou com “Electric
Ladyland” e pôs para tocar em nosso quarto. “And the gods made love” foi a
primeira faixa. Uma tosqueira nos dias de hoje, a voz em rotação menor e
guitarras distorcidas. Aquilo me tocou. E vieram as outras músicas. Havia
poucas notícias a respeito. Até hoje guardo uma radiofoto UPI com Jimi mordendo
as cordas da guitarra. Até então, ouvia Beatles, Stones e todos os outros.
Músicas com 3 minutos de duração. A guitarra de Jimi explodia em notas absurdas
e profundas. Pouco adiante, morando no Rio de Janeiro, comprei, ao mesmo tempo,
“Are you experienced?” e “Axis: Bold as Love”. De uma vez. Misturaram tudo. E veio
a performande em Woodstock. Toda essa introdução para falar sobre o mais novo
disco de Jimi Hendrix, “Live in Atlanta”. É um absurdo que passados quase 50
anos, ainda haja gravações desse artista que se foi tão jovem e alcançou o
estrelato como um raio. Gil, Caetano e Gal o replicaram na Tropicália. Tal como
um hendrixmaníaco empedernido, como diria o Edgar, tenho todos os discos,
filmes e livros. Um garoto sem convivência familiar, que rodava os EUA
acompanhando os mais diferentes artistas. Brincavam que ele era “doidinho” por
fazer truques na guitarra. Little Richard o despediu dizendo que ele queria
aparecer mais que a estrela, ele. E de repente ele está na Inglaterra, tocando
em clubes, assistido com respeito e inveja por Eric Clapton, George Harrison,
Keith Richards, you name it. Não tinha casa, não tinha família, não tinha
namorada fixa, seus amigos eram os que encontrava por aí. Entre os shows,
passava as noites em jam sessions ou com várias namoradas. Abusava das drogas à
disposição naquela época. Quando voltou e estourou na América, os Panteras
Negras cobraram mais atitude política. Era um tempo efervescente com Guerra no
Vietnã, protestos por liberdades civis, direitos humanos, final dos anos 60.
Parecia finalmente mais centrado e declarou que desejava dar um upgrade em seu
som. Na Ilha de Wight, começou sério, até que alguém na plateia gritou para ele
fazer “todas aquelas coisas sujas”. Há muitas teorias sobre a causa de sua
morte. Nenhuma resolve o assunto. Não havia ninguém para ajudar? Dar uma força?
Jimi se foi. Foi? A partir daí, ensaios, jam, shows, peças inacabadas, tudo
isso vem sendo montado, transformado pela tecnologia e lançado. O pior é que
consegue ser melhor do que tudo por aí. Nesse “Live in Atlanta”, está com Mitch
Mitchell na bateria e Billy Cox no baixo. São dois shows, com repertórios
diferentes. Há uma falsa introdução para “All along the watchtower”, a
maravilhosa música de Bob Dylan que ele transformou e se apropriou. Errou o
tom? A bateria não veio junto? Quando recomeça, é como um trovão. De resto,
estão todos os sucessos, algumas peças longas, blues, naturalmente e o som
perfeito, guitarra atacando, tirando notas inesperadas e uma gravação de
altíssima qualidade para um show lá no final dos anos 60. Você já ouviu todas
essas músicas milhares de vezes, mas compra o disco, talvez como uma homenagem
a alguém que mexeu na sua vida, na sua estética, na maneira de compreender a
música. Mas chama o filho, mostra e conclui que ele era e é, realmente,
sensacional.
* Gostaria de convidar todos os
leitores para o lançamento de meu novo romance, “Pssica”, pela Editora
Boitempo, no próximo dia 9, a partir das 18.00 horas, na Livraria da Fox.
Espero vocês.
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