sexta-feira, 13 de março de 2015

SAUDADE DAS MINHAS PRETINHAS

“Minhas pretinhas”, assim Millor Fernandes chamava as teclas de sua máquina de datilografar. Na transição para o teclado de computador, houve muita resistência. O Jornal do Brasil imprimiu uma cartilha ensinando a lidar com a novidade. Millor, em uma crônica, disse que o que mais o irritava era um som que o teclado emitia quando ele pressionava alguma tecla errada. “E ele ainda te chama a atenção”. O ruído, na agora silenciosa redação, era a revelação de inabilidade.
Na época, fiquei chateado, mas agradeço à minha mãe por ter feito minha matrícula em um curso de datilografia. Hoje, passo a maior parte do tempo em frente a um monitor e teclado. Peguei as mudanças todas. Meu pai tinha uma portátil, Royal, linda. Veio uma Lettera, grande e me divertia em travar suas teclas escrevendo com rapidez superior ao movimento mecânico de imprimir as letras no papel. Não lembro o que veio antes, mas houve uma Facit elétrica, com tecla de limpar erros. Era lenta. A de esfera, IBM, maravilhosa. E então, avassalador, veio o computador. As primeiras máquinas de datilografar surgiram na segunda metade do século XIX, por Christopher Latham Sholes, juntamente com o teclado “Qwerty”, que se impôs no mercado. Um longo caminho a partir da descoberta de Gutemberg. Meu irmão resistiu até onde pôde. Rendeu-se. Meu pai, já depois dos 70, comprou um computador e começou a aprender escrevendo suas crônicas. Muitas vezes me ligou desesperado porque, de repente, tudo o que havia escrito sumia e no lugar, um espaço em branco. É que ele, velocíssimo no teclado, acabou adquirindo o vício de deixar o dedo mindinho tocando alguma parte. Na máquina de datilografar, nenhum problema. No computador, era exatamente no lugar da tecla que abria um novo documento, em branco, evidente. “Vou jogar essa pinoia fora, dizia.
Tenho algumas manias. Embora use um Mac, uso o programa Word, do Windows, para escrever textos. Também tenho uma família de letras que uso sempre, no caso a Letter Gothic 12. Coleciono algumas máquinas antigas. Tenho umas quatro, de diferentes épocas, uma delas, presente uma grande amiga. Pertenceu a seu avô e foi fabricada em Leicester, Inglaterra. Sim, elas funcionam, algumas muito bem, outras, nem tanto. É curioso como minha letra foi diminuindo de tamanho e se assemelhando a um texto impresso. E também com algumas linhas escrevendo, tanto há dores na mão que empunha a caneta, como também impaciência por não conseguir seguir o raciocínio. Para não perder a delícia da escrita à mão, mantenho uma agenda com os compromissos, embora vários gadgets contenham agendas eletrônicas. E a diferença de geração quanto ao uso dos dedos? As pequenas teclas do smartphone, aperto com os dedos indicadores, com pouca velocidade. A garotada usa os polegares, com grande rapidez. As mídias sociais trouxeram de volta a escrita. As pessoas se comunicam. Infelizmente, há muitos erros gramaticais, de concordância, perturbando as idéias. A Educação não evoluiu como os aparelhos. No mais, saudades das minhas pretinhas..


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