sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

AS MANHÃS ENFARRUSCADAS DE DEZEMBRO

A música é um dos principais dutos que me levam direto ao passado, a momentos felizes e importantes. Um dia desses, publiquei no facebook pequeno texto lembrando de músicas, afetos, a partir de manhãs enfarruscadas, melhor explicando, essas manhãs cinzentas, em que o ar está um pouco mais fresquinho do que o calor total em que vivemos. Essas manhãs ocorrem mais nos finais de ano, ao menos na minha memória, que vai, direto à pré adolescência, anos 60, do século passado, meu Deus, quanto tempo atrás! Eu e meus irmãos de férias, naquele momento maravilhoso de “o que ocorrer”, e se de repente nada ocorresse, tudo bem, tudo muito bem. Hoje vou jogar futebol na casa de meu saudoso amigo Abílio Cruz, ou passear de bicicleta, jogar peteca com os motoristas de taxi da Praça da República. Não. Hoje estamos todos lagarteando naquela manhã gris no amplo salão do apê em que morávamos. Quem comandava era o mais velho, que tanto e tão bem iluminou meu caminho nas mais variadas direções, principalmente na música. E ouvíamos Beatles, Bee Gees, Herman Hermits, Steppenwolf, The Hollies e Rolling Stones. Talvez fosse Rubber Soul ou Help. Claro, havia Tropicália, Mutantes, mas aqui, manhãs gris. Um tempo em que cada disco era ouvido da primeira à última faixa, degustado lentamente, até sabermos as letras, arranjos e a ordem das músicas. Hoje, um garoto faz download da discografia do King Crimson, ouve em uma tarde e já vem discutir com autoridade, algo com que convivemos uma vida inteira, principalmente com as circunstâncias. As circunstâncias, amigo. E vêm flashes de uma época feliz. Era uma manhã de sábado, meio dia, talvez, meu irmão chega e mostra “Electric Ladyland” de um tal de Jimi Hendrix. Mudou minha vida, cara. Alguns meses depois, no Rio de Janeiro, em uma loja tão antiga que tinha cabines de madeira, lindas, para audição, encontro “Smash Hits” e “Axis: Bold as Love”. São as circunstâncias, amigo. O dia em que encontrei, na Modern Sound, “Wake of Poseidon” e “Lizard”, do King Crimson e os escondi entre discos infantis, voando de volta até minha avó, a quem supliquei os trocados suficientes para compra-los. E os amigos gostaram do meu texto sobre as manhãs enfarruscadas. E de repente, não sei como, me vem à memória, em mais uma manhã cinzenta, “Connection”, dos Rolling Stones, uma canção presente em “Between the Buttons”, álbum confuso da banda, soube bem depois, mas que nós ouvíamos lagarteando naquelas férias. O piano de Brian Jones pontuando a canção. E se Brian não morresse tão cedo, para onde iriam os Stones? Ele era um Paul McCartney! E se Syd Barrett não pirasse, para onde iria o Pink Floyd? Outro Macca. Talvez essa profusão de acontecimentos culturais, revolucionando o mundo em várias áreas, me tenha apartado, um tanto, das questões políticas, que depois estudei muito para saber. Talvez. Mas era muito bom. E meu irmão que com sua inquietude, a paixão pelos Beatles, que dura até hoje e na época, para cutuca-lo, dizia que gostava mais dos Stones, meu irmão que tantos caminhos me indicou. Era um tempo muito bom, sabe? Tenho um certo orgulho de ter acompanhado tudo isso. E você? O que te leva para lugares da vida em que tudo era iluminado, aprendizado e amores inesquecíveis? Eu me lembro de “F comme Femme”, de Adamo, trilha sonora do meu primeiro amor, platônico, que nunca aconteceu. E você?


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